AOSIS é a sigla em inglês para os pequenos países insulares, ou seja, aquelas nações cujos territórios se limitam a uma ilha. Boa parte deles fica no Pacífico e ocupa terras muito planas: qualquer elevação no nível do mar e eles literalmente afundam. Isso, aliás, já está acontecendo: em maio de 2009 começou a transferência dos habitantes da primeira ilha literalmente invadida pelo mar.
Essa situação dramática dá a nações como Tuvalu, Papua Nova Guiné, Ilhas Salomão e outros 42 países uma força moral muito grande nas negociações: seus depoimentos nas sessões da ONU são reais e chegam a emocionar os demais delegados. Como as negociações climáticas são literalmente um assunto de vida ou morte para esses países, seus representantes são muito bem preparados. Por isso, é deles que vem a boa notícia do segundo dia de negociações: uma proposta concreta para o Protocolo de Quioto.
O Protocolo de Quioto foi firmado na CoP8 e abrange apenas os chamados países desenvolvidos, com exceção dos Estados Unidos: o Clinton concordou mas, na hora de assinar o acordo, o governo era Bush e entonces... Desde então, ele permanece como o único instrumento legal que estabelece compromissos e mecanismos para a redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa. Ocorre que desde então, o mundo mudou: hoje os grandes emissores incluem os chamados países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil. Por isso, o Protocolo só alcança 30% das emissões mundiais – um percentual pífio, que evidencia a ineficácia deste instrumento. Sob esse ponto de vista, melhor seria abandoná-lo e partir para algo que realmente atenda as necessidades de redução nas emissões para ver se conseguimos manter a atual tendência de elevação da temperatura média global em, no máximo, 1,5 grau centígrado (ou 2 C, como ainda consta nos documentos que estão na mesa de negociações).
Só que esse é o único instrumento legal existente, ou seja, a única coisa que supostamente obriga os países ricos a mitigarem suas emissões. Por isso, apesar de várias divergências entre si, delegados dos países em desenvolvimento são unânimes na exigência de sua continuação. Sim, porque quando foi assinado, o Protocolo já previa que teria que ser substituído por um acordo mais eficiente e, para tanto, estabeleceu um “primeiro prazo de validade”, que se encerra em 31 de dezembro de 2012. Mas se nada for resolvido na CoP17, em Durban, no final deste ano, não haverá tempo hábil para se implementar a continuidade do Protocolo e fatalmente haverá um intervalo. De que forma se dará esse intervalo - se será chamada uma continuação provisória dos termos do primeiro prazo ou se tudo deixa de valer - ainda está para ser avaliado: porque neste momento, o cabo de guerra em Bonn, onde acontece uma nova rodada de negociações preparatórias para a CoP17, é a continuidade (ou não) do Protocolo. Porque se os países em desenvolvimento se posicionam a favor, vários países desenvolvidos, ou em vias de, já declararam que vão pular fora desse barco: Japão, Canadá e Rússia estão entre eles.
Dentro desse contexto, soaram muito bem a proposta do AOSIS de estabelecer um plano de ação para lidar com uma questão tão espinhosa: 1) negociar com as partes que declararam considerar um segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto; 2) identificar os fatores condicionantes que alguns países colocam para aprovar o segundo período de compromisso do Protocolo e avaliar se já estão contempladas ou se são viáveis; 3) estabelecer um processo e prazo para as negociações técnicas e políticas necessárias e reconhecer que assuntos técnicos por vezes exigem decisões políticas; 4) avançar tudo que for possível nos aspectos técnicos para favorecer e fortalecer as decisões políticas; 5) explorar todas as alternativas legais para assegurar que não haja um intervalo entre o primeiro e o segundo período de compromisso do Protocolo.
Em um mundo onde tudo pode ser interrompido pela discordância de uma única pessoa em relação a uma única palavra, ver uma proposta prática e sensata sendo apresentada é um bom sinal: sinal de que entre os negociadores da UNFCCC, a Convenção Quadro da ONU para Mudanças Climáticas, ainda tem gente disposta a lutar.
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