Save and grow – economize e cultive. Este é o nome da cartilha que a Organização Mundial das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) lançou hoje - coincidentemente, quando teve início em Bonn, na Alemanha, a derradeira semana das negociações preparatórias à CoP17. O recado foi claro: não dá para fazer uma transição para uma economia de baixo carbono sem uma mudança nas práticas agropecuárias em todo o mundo. Apesar do salto de rendimento obtido com a chamada Revolução Verde dos anos 50 e 60 do século passado, que introduziu o uso maciço de insumos químicos como estratégia para elevar a produtividade, a agricultura está longe de ser uma atividade econômica eficiente. Por isso, o atual paradigma de produção intensiva, que não leva em conta os impactos sobre o meio ambiente, não serve para enfrentarmos os desafios do novo milênio: para crescer, a agricultura tem que aprender a poupar. Palavras da ONU.
Usado durante décadas, os atuais modelos de cultivo intensivo resultaram em terrenos degradados, reservas de água esgotadas, surtos de pragas, erosão e poluição do ar, do solo e da água. Pior: a bandeira dos agroquímicos e da produção em escala industrial - a produtividade - está cedendo: em nível mundial a FAO já nota que a taxa de crescimento da produtividade dos principais cereais está diminuindo. E não custa lembrar que atualmente um terço das emissões dos gases causadores do efeito estufa vem de atividades agropastoris, uso da terra e mudanças no uso da terra.
É certo que os sistemas de distribuição também precisam melhorar, já que um terço do alimento produzido no mundo é desperdiçado. Há, ainda, as limitações causadas pelas grandes disparidades sociais: sem ter dinheiro para comprar, não adianta haver alimento para vender! No entanto, é inegável que a produtividade precisará crescer para alimentar uma população mundial estimada em 9,2 bilhões em 2050 e uma demanda por alimentos duas vezes maior que a de hoje, graças ao crescimento dos países em desenvolvimento. Para erradicar a fome e atender a demanda até 2050, a produção de alimentos precisa aumentar em 70% no mundo e 100% nos países em desenvolvimento.
A chave para enfrentar este desafio reside na intensificação de práticas mais sustentáveis e a mudança de um modelo homogêneo e intensivo de produção para sistemas adaptados a locais específicos. Por isso, esta iniciativa da FAO é voltada aos pequenos produtores, responsáveis pelo fornecimento de 80% dos alimentos no mundo. Apenas nos países em desenvolvimento, pequenos agricultores e suas famílias totalizam cerca de 2,5 bilhões de pessoas, segundo a ONU.
E ao contrário do que muita gente pode pensar, uma agricultura conservacionista não é tecnicamente difícil ou economicamente inacessível para essa fatia de produtores. Pelo contrário: as diretrizes são pouca e simples! A primeira delas: a agricultura deve, literalmente, voltar a suas raízes e redescobrir a importância da saúde do solo, obtida mediante o uso de fontes naturais de nutrientes e aplicação sensata de fertilizantes minerais. Da mesma forma, a ONU recomenda priorizar o manejo integrado de pragas, já que os pesticidas matam não só as pragas agrícolas, mas também seus predadores naturais, destruindo o equilíbrio ecológico, prejudicando a saúde dos produtores e dos consumidores.
Embora não afirme explicitamente, tais recomendações são, coincidentemente, a base da agricultura orgânica. E, segundo a ONU, a volta às raízes deve ser acompanhada pela diversidade genética das sementes: um portfólio amplo e adequado a diferentes ecossistemas e práticas de cultivo deve estar disponível. Pensou nas empresas de sementes? Pois eu pensei nos povos andinos, que cultivam uma espécie diferente de batata de acordo com a condição de solo e altitude dos Andes. Ou seja, não se trata de biotecnologia, mas de sabedoria.
Naturalmente, uma agricultura conservacionista precisa de uma abordagem diferente no uso da água que, como a própria FAO alertou, deve ser escassa nas próximas décadas, por conta das mudanças climáticas. A falta de água afetará a produção agrícola em praticamente todos os continentes. Por isso, a entidade recomenda o uso da irrigação de precisão, que baseia-se na análise da produtividade gota a gota, literalmente falando. Eu tive a oportunidade de ver o potencial e o impacto dessa técnica quando estive em Israel, em 2008: parece um milagre ver um deserto produzindo graças à microirrigação. Por outro lado, também testemunhei o crescente desaparecimento do Mar Morto por conta do maior uso de seus afluentes para a agricultura – ou seja, mesmo usando pouco, o impacto do uso da água para a agricultura pode até ficar despercebido em países topicais, como o nosso, mas é, de qualquer forma, significativo.
A recomendação de maior precisão no posicionamento do insumo vale para os adubos: aplicam-se insumos externos e na hora certa e na quantidade certa - nem mais nem menos do que as plantas necessitam. Esta nova abordagem pode dobrar a quantidade de nutrientes absorvidos pela plantas.
Por fim, esqueça o arado: o plantio direto – técnica segundo a qual a semeadura é feita sobre os restos da cultura anterior – é recomendação da ONU por minimizar a erosão, reduzir a evaporação da água do solo e diminuir a emissão do CO2 gerado pelos tratores.
Antes de divulgar tais recomendações, a FAO fez testes na África, os quais indicaram redução de 30% no uso da água, 60% no consumo de energia e aumento de até 6 vezes na produtividade obtida. Obviamente, será necessário investir em apoio técnico para que os produtores possam aprender estas técnicas. E os governos terão que investir em programas de melhoramento de plantas, de modo a criar variedades mais resistentes às mudanças climáticas e mais adaptadas a um uso eficiente de insumos externos.. Note: os governos.
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