Pegue-se o exemplo da indústria alimentícia, sobre quem escrevi ontem ao falar do filme Food Inc., lançado esta semana nos EUA. Ele expõe o lado menos glamuroso desse setor que, segundo pesquisa do Havas Media Group, desfruta de uma excelente imagem pública. Não é para menos: o apelo de toda sua comunicação é sempre em cima de temas e imagens que remetem à saúde e ao bem-estar. Mas entre a imagem e a realidade existe um gap, no qual entram:
1) A qualidade intrínseca dos produtos: como qualquer nutricionista lhe explicará, boa parte dos alimentos industrializados não tem qualidade nutricional. Vender produtos que são mera caloria é sustentável?
2) O marketing da indústria alimentícia é voltado prioritariamente para o segmento infantil: basta que você assista um dia aos canais infantis na TV paga e compare com a quantidade de mensagens publicitárias de comida que você vê fora dali. Isso sem falar no apelo colorido das embalagens, nos bichinhos, grafismos etc. Todos sabemos que o público infantil é simultaneamente mais suscetível às mensagens publicitárias e um grande influenciador das compras de uma casa. Jogar com as crianças para aumentar vendas é sustentável?
3) Em alguns casos, a situação pode ser um pouco pior: como o IDEC denunciou no início deste ano, existem indústrias que mentem na tabela nutricional publicada na embalagem de seus produtos para tentar fazer com quem pareçam mais saudáveis.
4) As grandes indústrias, que fazem compras de grande porte, estão provocando mudanças ambientais. Hoje, além da questão da extração do óleo de palma na Malásia, que gerou uma monocultura responsável pela devastação das florestas tropicais daquele país, temos a “farra do boi” na Amazônia: conforme demonstrou relatório do Greenpeace, por trás da devastação estão grandes marcas que compram os produtos derivados do gado bovino criado na região.
5) Mas não se trata apenas de dano ambiental: o desmatamento provoca pobreza, como um detalhado estudo publicado pela revista Science esta semana comprovou.
Quando juntamos as peças deste quebra-cabeça, outras conexões ficam claras. Por exemplo, a responsabilidade de quem financia este mercado. Não por acaso, ontem veio a notícia de que a International Finance Corporation, braço para o setor privado do Banco Mundial, voltou atrás em sua decisão de financiar a expansão na Amazônia do frigorífico Bertin – um dos denunciados pelas ONGs Amigos da Terra e Greenpeace. O Bertin compra gado de produtores ilegais e ampliou suas compras na região depois de ter obtido financiamento da IFC, violando compromisso firmado com a entidade financeira. A prática foi objeto de multas milionárias por parte do IBAMA, contra as quais o frigorífico voltou sua área jurídica.
Essa decisão soma-se ao anúncio conjunto feito por Pão de Açúcar, WalMart e Carrefour de que essas redes suspenderiam o fornecimento de gado amazônico da Bertin e de outros frigoríficos que compram carne de produtores que agem de forma ilegal na Amazônia. Aqui, entra o tal do rastreamento da cadeia de fornecedores – uma das premissas de sustentabilidade previstas pela Global Reporting Initiative e que tem sido a menos cumprida pelas empresas que adotam os relatórios de sustentabilidade .
Há uma responsabilidade enorme sobre os ombros de quem se propõe a nos alimentar – porém a nobreza do ato não exime das responsabilidades sobre as conseqüências do processo produtivo os diversos agentes desta cadeia de valor. Isso inclui eu e você, consumidores. Porque somos o que comemos. Portanto, precisamos sempre nos perguntar se o que comemos é ético.
Sustentabilidade = interdependência. Ou, se preferir, corresponsabilidade.
muito bom ameiii
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