Clinton: “Nosso modelo de crescimento é insustentável"

Acompanhei a palestra que Bill Clinton deu para cerca de 1,5 mil empresários reunidos no Ethanol Summit, que acontece até o dia 3 de junho aqui em São Paulo. E fiquei surpreendida com a clareza e a incisão de determinadas afirmações feitas pelo ex-presidente norte americano. A começar pelo reconhecimento de que o atual modelo de crescimento é insustentável, nossa interdependência é instável e desigualdade está aumentando. “É dentro desse contexto que devemos analisar as mudanças climáticas”, destacou.

O tema Sustentabilidade permeou toda a fala do ex-presidente, que fez um mea culpa público sobre o Protocolo de Kyoto, explicando que seu próprio partido não aprovou a moção que permitiria aos EUA assinarem o acordo por não acreditar ser possível crescer sem emitir os gases causadores do efeito estufa. Ao chamar a atenção para o fato de que apenas 4 nações conseguiram cumprir as metas do protocolo (Suécia, Dinamarca, Alemanha e Grã-Bretanha), Clinton questionou se os demais lidere que assinaram, mas não alcançaram os objetivos propostos, seriam mentirosos ou incompetentes – em uma clara alusão à perda de credibilidade das lideranças em todo o mundo que se intensificou com a crise econômica. Como resposta, o próprio Clinton explicou que ambas alternativas estão incorretas, já que a questão não é o que fazer, mas como fazer.

Por “como”, entenda-se reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa mantendo o crescimento econômico. Na sua visão, esta questão é solucionada com a troca dos combustíveis fósseis por fontes limpas. Porém não a qualquer custo: Clinton deixou claro que embora o etanol seja uma solução sustentável quando analisado isoladamente, ele deixa de sê-lo ao empurrar a fronteira agropecuária para a Floresta Amazônica, com sua expansão. Ele foi bastante contundente ao destacar que os 75% de emissão de CO2 geradas por queimadas e desmatamentos são, na verdade, resultantes de práticas diretamente relacionadas com a ampliação das fronteiras para a agricultura e pecuária. Por isso o Brasil aproxima-se da Índia e da China em emissões de CO2, mesmo tendo uma matriz energética “limpa”, quando analisada isoladamente.

Se bem aproveitada, essa visão sistêmica que Clinton introduziu – mostrando aos empresários do etanol que não basta responder pela eficiência interna de sua indústria, mas que é preciso também atentar ao impacto que ela causa sobre outros setores, sobre a sociedade e a geografia do país – pode contribuir para uma gestão mais sustentável da agricultura nacional.

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Ethanol Summit - de 1 a 3 de junho de 2009
Hotel Sheraton WTC - São Paulo, SP
Organização: UNICA - União da Indústria da Cana-de-Açúcar

Foto: AP

2 comentários:

  1. Silvia, há várias coisas nesta fala do Clinton que, na minha leitura, são óbvias, e que ele sua apenas para passar uma imagem de político esperto. Não o foi quando era presidente, ao menos na área ambiental. Não acho particularmente importante a fala dele, prá lhe ser sincero.
    Quanto à contribuição dele e da análise da turma do primeiro mundo sobre a questão climática e a sustentabilidade da agricultura, sou forçado também a me colocar em posição de desconfiança, porque por muitas décadas estes mesmos cidadãos venderam uma solução de desenvolvimento que era diametralmente oposta ao que pregam hoje.
    Olhando a questão da matriz energética: fomos educados achando que hidrelétricas eram limpas. Nunca foram. E carregam consigo um monte de problemas sociais e ambientais muito além da emissão de CO2. Nossa matriz energética é um desastre, porque nos coloca inteiramente na dependência das chuvas e nos empurra a construir mais e mais barragens para manter a voracidade energética de uma sociedade que não sabe se controlar neste aspecto (e é fomentada pelo governo a gastar sempre mais). Qual a sustentabilidade deste modelo? Agora começam a surgir os embates pelo uso partilhado das águas e logo vai ser uma briga de foice. Temos pouca emissão de CO2 na nossa geração de eletricidade, mas não temos sustentabilidade.
    Quanto à sustentabilidade na agricultura, a questão vai muito além do etanol e da adoção de tal ou qual modelo agrícola: passa pela dependência deste país da exportação de commodities agrícolas, de baixo valor agrgado, danosos ao ambiente, mas sem os quais o país afunda. Qual a sustentabilidade disso? Não tem diretamente a ver com etanol. E por fim, ninguém vai plantar cana na Amazônia, isso é uma fantasia. Mas vai se devastar mais e mais do cerrado e talvez o pouco que resta da mata atlântica. Isso é ruim, mas é quase inevitável se o preço do petróleo subir de novo. Por enquanto, acho que estamos salvos...
    Cordialmente,
    Paulo Andrade
    Sociedade sócio-ambiental do baixo São Francisco - Canoa de Tolda
    www.canoadetolda.org.br

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  2. Paulo,
    amei seu comentário porque contém vários pontos com os quais concordo, mas que não dava para escrever em um blog que, por natureza, é melhor talhado para textos curtos.

    Sim, o Clinton foi óbvio, mas falar que um setor deve se preocupar com o impacto que causa sobre os demais ainda surpreende. Os agentes econômicos não estão acostumados a enxergar além das fronteiras de seu negócio ou, quando muito, de sua cadeia de valor. Ou seja, eles não se preocupavam com Amazônia justamente porque ninguém vai plantar cana na Amazônia. Mas o aumento da área de cana pode levar outros produtores (agrícolas ou pecuários) a desmatar - e colocar essa responsabilidade sobre os ombros do setor de açúcar e álcool dá outra dimensão ao problema, acrescenta outra urgência e envolve mais agentes na busca de uma solução.

    Sobre a solução de desenvolvimento que venderam: sim, é equivocada e permanece assim. Como vc magistralmente pontuou, porque se baseia nesse fomento equivocado ao consumo / desperdício crescentes. Porém quando um ex-presidente dos Estados Unidos verbaliza que há algo de errado, isso cria um precedente institucional para que se pare para questionar o modelo - que é o que mais precisamos agora! Os agentes econômicos e o governo não mudarão as coisas se não houver um debate e pressão por parte da sociedade.

    Sobre a sustentabilidade da agricultura, sem dúvida a questão transcende o etanol, que é uma pequena parcela dessa atividade. E além da dependência da exportaçao de produtos de baixo valor agregado, há ainda a questão dos métodos toscos de produção que ainda são empregados: a agricultura é um dos setores de menor eficiência no uso de matérias primas. Um setor no qual o conceito de ciclo de vida de produto sequer começou a ser estudado. E um setor diretamente ligado à questão da água, como vc muito bem lembrou.

    Agora, sobre hidrelétricas... vou ter que pesquisar. Se puder, não deixe de me indicar fontes de informação sobre o tema.

    Obrigada,

    silvia

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