Pessoas: é disso que estamos falando!

O termo sustentabilidade tem sido muito associado a problemas ambientais. Ok, eles fazem parte da questão – mas não a esgotam. Pelo contrário! Dentro da equação pessoas-finanças-planeta que sustenta o conceito de sustentabilidade mais aceito atualmente, o planeta é a parte menos ameaçada. Ou você acha que 2, 5, 10 ou 100 graus a mais de temperatura afetarão a existência do planeta? Vênus, aqui do nosso ladinho (em termos astronômicos), tem temperatura de 460⁰C e não se desintegrou até agora por causa disso!

A Terra já passou pela era do gelo, por colisões com meteoros, por nuvens de CO2 advindas de erupções vulcânicas que impediam a passagem da luz do sol... E sobreviveu! Mais: sobreviveu com vida! A questão é que nossa forma de vida, a humana, só sobrevive em condições bastante específicas de temperatura, composição da atmosfera, oferta de água potável e comida. Então, quando se fala de mudança climática e tudo o mais, o foco não é a salvação do planeta, mas a salvação de nossa própria pele.

Se é assim, por que o debate sobre sustentabilidade tornou-se tão verde a ponto de colocar as outras nuances na sombra? Mesmo considerando que esse debate não é neutro e que carrega vários interesses econômicos e políticos, ainda assim: por que a opinião pública comprou a questão ambiental mais facilmente que outras?

Minha humilde contribuição para se chegar a uma resposta satisfatória: porque é mais fácil. É mais fácil sensibilizar-se com imagens de ursos polares que não conseguem gelo firme para caminhar, indignar-se com a derrubada da Floresta Amazônica ou horrorizar-se com os desastres naturais associados ao aquecimento global. É mais fácil associar o problema a um terceiro – o “ambiente”, o “planeta”, fortes candidatos a terem o mesmo destino do “sistema” dentro de nosso vocabulário (e imaginário).

Não estou dizendo que o foco na questão ambiental não é importante. Claro que é! Dela depende nossa sobrevivência e de centenas de outras espécies de vida que, como nós, precisam de condições específicas de temperatura, atmosfera, umidade e alimento. Estou apenas dizendo que a atual ênfase na questão ambiental desvia o foco do debate do que realmente interessa, que são as pessoas.

Porque são pessoas que queimam e desmatam, invadem áreas de mananciais, contaminam água e solo, insistem em práticas de produção de alimentos pouco sustentáveis... São pessoas que fazem e desfazem leis e protocolos que proíbem ou permitem as práticas que estão causando as mudanças climáticas...

Mas mexer com pessoas é mais difícil do que com ursos pandas: bastou o governo chinês investir na questão para a espécie começa a se recuperar. Agora, mexer em uma das economias que mais polui, em uma das culturas que menos respeita o trabalhador e a mulher, aí é bem mais difícil, né? Pois isso implica em mexer com interesses políticos e econômicos (mas esta não é a parte mais difícil). Exige também mudanças na educação e nas leis (esta também não é a parte mais difícil).

O problema é que mexer com pessoas é mexer com corações e mentes. E tem muita gente que não quer mudar (inclusive gente que conscientemente diz que quer). Porque uma coisa é pregar a responsabilidade, a tolerância, o consumo consciente etc. etc. Outra coisa é exercer. Quem não conhece alguém com a ética na ponta da língua, mas que tem amante, sonega, discrimina na hora de contratar etc. etc.? Quem não conhece alguém fique indignado com a devastação da Floresta Amazônica, mas sequer separa seu lixo para reciclagem?

Contradição? Hipocrisia? Cada caso é um caso, mas a verdade é que não é um caminho fácil, seja do ponto de vista individual ou coletivo. Inclusive porque algumas decisões e atitudes contrariam mecanismos atávicos de auto-valorização de nosso ego (como o desperdício como exibição de poder, por exemplo).

Enfim, a questão do porquê a sustentabilidade corre o risco de se tornar sinônimo de questões ambientais certamente não foi respondida com este texto. Mas espero ter contribuído para lembrar que é de pessoas que estamos falando. O tempo todo.

Um comentário:

  1. O fato do planeta esquentar além do tipping point (2oC, segundo especialistas) afeta justamente a vida de milhoes de pessoas - em geral, as mais pobres. Cuidar do planeta, do meio ambiente, da biodiversidade, dos oceanos, das florestas, é sim cuidar das pessoas.

    Quando ONGs ambientalistas, especialistas, cientificas, ativistas e quetais levantam a questao do derretimento das calotas polares, da perda do habitat de animais como urso polar, da extinção de especies como o panda, do desmatamento descontrolado na Amazonia, estão justamente apontando as causas do sofrimento de milhoes de pessoas. Uma coisa NAO ESTÁ dissociada da outra. O meio ambiente INCLUI a vida humana e o planeta. E a economia também.

    Não à toa há pressao de ambientalistas sobre as maiores economias do mundo, em reunioes do G8, da COP-ONU, e em outros foruns de debate. Envolve sim mudar interesses economicos e politicos. Sem resolver a crise climática, nao vamos resolver a crise economica. O modelo de desenvolvimento em voga na maioria dos países (pra nao dizer todos) está fracassado e nao leva em conta a sustentabilidade, o meio ambiente e o bem-estar das pessoas. Precisamos de um novo acordo global, uma economia verde que leve em conta todos esses fatores.

    SAlvar o planeta não é apenas salvar pedra, água, bicho e planta. É salvar um ecossistema, que inclui também seres humanos. Simples assim.

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