Estes fatos evidenciam um recrudescimento no antissemitismo, já sinalizado pelo discurso do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na cúpula da ONU sobre racismo (que ironia!), pelas declarações do bispo Richard Williamson, negando o holocausto e, mais recentemente, pela indicação de Farouk Hosny à UNESCO (e que, por razões insondáveis, o Brasil apóia!).
A questão é: por que?
Faz sentido atribuir esse tipo de postura ao desgaste de imagem provocado pela invasão da Faixa de Gaza? O evento, que coincidiu com o fim da era Bush, de amplo e irrestrito apoio a Israel, certamente favoreceu uma atitude global mais enfaticamente crítica em relação a Israel. Mas aqui o foco é a existência ou não dos dois estados, palestino e israelense (dependendo se o ponto de vista da discussão é muçulmano ou radical judaico) e não o direito à existência e o status do povo judaico.
Faz sentido facultar a crença na suposta inferioridade de uma raça à crise econômica mundial, cujas causas são identificadas no setor financeiro – a atividade econômica mais umbilicalmente associada ao povo judaico desde a Idade Média? Afinal, junto com alguns nomes de origem judaica, como Bernard Madoff, vieram inúmeros outros sem qualquer relação religiosa ou genética com o povo de Israel.
Estas não são as causas, certo? São gatilhos de algo que já existia e que permanece na sombra (no sentido junguiano do termo) de nossa cultura: a convicção de que a diferença entre pessoas é qualitativa. Traduzindo: que um é melhor que o outro. Traduzindo de novo: que para que eu seja bom, o outro tem que ser ruim.
Trata-se de um modelo mental tão disseminado que sequer nos damos conta dele. Achamos natural debochar e ironizar com os jeitos e trejeitos da colega de trabalho, do chefe, da vizinha, da artista da novela... Sequer percebemos que, ao fazer tais comentários, estamos afirmando: eu não faço o que ele(a) faz, eu não sou como ele(a), eu sou melhor!
São as duas faces de uma mesma moeda: por trás do processo de negação do outro está a afirmação do Eu - eu sou melhor, eu sou mais puro, eu sou mais digno... Meu grupo tem mais direitos, tem mais história, meu Deus é mais verdadeiro... As facetas são múltiplas, mas a raiz é uma só: uma balança na qual a minha exaltação ocorre na exata proporção da degradação do outro.
E quanto mais eu me exalto, mais degrado o outro. Para ter uma raça pura (ariana, branca, heterossexual, masculina), tenho que ter uma raça impura (judeus, negros, gays, mulheres). Essa divisão coloca um imperativo: você não é igual a mim. Você não é gente, portanto as regras que se aplicam a mim e ao meu grupo não se aplicam a você. Sim, é um raciocínio / emoção que chega a ser tacanho, de tão simplório – mas que permeia nossa sociedade e que gera, no indivíduo, a sensação de legitimidade por seus atos de barbárie.
Trata-se de um tema que tem que ser encarado com seriedade por todos: pelas empresas, que tentam construir uma identidade corporativa junto a seus colaboradores - até que ponto eu incluo a diferença nessa identidade? Que espaço abro para mulheres e negros e gays e portadores de necessidades especiais? Até que ponto demonizo meu concorrente, obrigando meus colaboradores a um consumo compulsório dos meus produtos?
É um tema que precisa entrar também na pauta de governos e entidades da sociedade civil organizada que contribuem para a criação das identidades nacionais: preciso mesmo desvalorizar os argentinos para valorizar a brasilidade? Precisa permear a forma como pais e professores lidam com crianças e jovens: até quando vamos admitir as piadas contra gays e loiras? Precisa, por fim, ser introjetado nos parâmetros de decisão de compra: até que ponto a busca pelo preço baixo não se faz às custas da dignidade humana do trabalhador? E até que ponto eu incentivo uma prática de preço alto apenas para excluir do consumo de determinado produto uma parcela significativa da humanidade?
Shalom!
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