O be-a-bá dos Relatórios de Sustentabilidade

A tendência já está consolidada: basta ver os Relatórios Anuais das grandes empresas de capital aberto ou fechado, nacionais ou multis, para perceber que ele se transformou em um Relatório de Sustentabilidade. Mas se a contabilidade financeira já tem uma história de quase 200 anos, reportar sustentabilidade é uma tarefa recente, de não mais de uma década. Nesse período, a atividade ganhou várias normatizações – Ibase, GRI – mas o desafio continua: como reportar?

Em primeiro lugar, é preciso definir qual será a metodologia que orientará a produção do material. A pesquisa Count Me In, da consultoria KPMG (http://www.globalreporting.org/NR/rdonlyres/3F57ACC8-60D0-48F0-AF28-527F85A2A4B4/0/CountMeIn.pdf), mostra ainda que 90% dos leitores de relatórios veem com bons olhos a adoção de metodologias padronizadas de relato, sendo que a GRI G3, da Global Reporting Initiative, foi a melhor avaliada (brochuras em português podem ser baixadas do site da entidade: http://www.globalreporting.org/Home/LanguageBar/PortugueseLanguagePage.htm.

Ao analisar detalhadamente as vertentes econômica, social e ambiental de um negócio, a GRI produziu um material bastante complexo, porém inexeqüível em sua totalidade – inclusive porque a natureza dos negócios varia bastante, portanto nem todos os indicadores são aplicáveis a todo mundo. No entanto, para algumas atividades a GRI tem indicadores setoriais complementares às normas gerais, que devem ser integrados à produção do material.

Definida a metodologia, vem a segunda etapa: escolher o que fará parte do relatório e o que ficará de fora. E, ainda, hierarquizar as informações.

Nessa hora, é importante lembrar que embora seja um excelente instrumento para que os gestores tomem conhecimento do que acontece na empresa, o relatório tem por alvo seus públicos externos: mercado financeiro, governo, imprensa, clientes, fornecedores, formadores de opinião etc. Não por acaso, a metodologia GRI recomenda que as informações em um relatório deverão cobrir temas e indicadores que reflitam os impactos econômicos, ambientais e sociais significativos da organização ou possam influenciar de forma substancial as avaliações e decisões dos stakeholders. Perguntar-lhes o que eles consideram importante, sobre o que gostariam de ler e o que consideram dispensável é, portanto, o melhor ponto de partida.

À percepção externa – que pode ser captada via “n” canais, como painéis de stakeholders, clipping, SAC etc. – deve-se somar a percepção interna e dos gestores sobre o que é relevante. O cruzamento desses dois vetores vai gerar uma matriz de materialidade que permitirá à equipe responsável pelo relatório discriminar o que será relatado ou não.

Aqui, outra dúvida geralmente ocorre: os fracassos, as perdas e os erros devem ser relatados? Neste ponto, não há consenso: a empresa sente que se incluir informações negativas, abalará sua imagem. Os públicos externos, por sua vez, consideram a falta de auto-crítica e de informações negativas como indício de pouca credibilidade do material. Essa discordância foi evidenciada pela pesquisa Count Me In, que apontou que os leitores de relatórios anuais sentem falta de informações sobre o que deu de errado na vida da empresa no período relatado. Trata-se de uma questão importante pois, para os públicos externos, essa atitude é percebida como prova de transparência e compromisso com a melhora. E de veracidade, pois eles acham impossível não dar nada errado na vida de uma empresa em 12 meses!

Assumido o duro risco de falar de tudo o que é importante, inclusive o que deu errado (espera-se!), vem o desafio seguinte: criar métricas objetivas e comprováveis. Os indicadores financeiros têm uma vantagem natural, pois são métricas tangíveis fundamentadas em inúmeras normas e regulamentos. Graças ao avanço da legislação e normatizações voluntárias, na parte ambiental também já existem indicadores objetivos e parâmetros oficiais para análise. Mas, e quando o assunto a ser mensurado é o social? Como avaliar o impacto ou o benefício? Como esta é a mais jovem dimensão da sustentabilidade a buscar métricas, é importante buscar consultoria externa - não por acaso, uma das recomendações do GRI para todas as mensurações.

Vale lembrar ainda que o relato das informações ambientais e sociais exige um período mais longo de apuração, avaliação e validação do que o exigido para os dados financeiros. Portanto, o prazo de produção de um relatório de sustentabilidade não é o mesmo de um relatório anual. Jogue fora aquele cronograma!

Por fim, qual formato adotar? Porque a impressão em papel não é mais a única opção. Com o crescimento do acesso à internet por parte dos stakeholders, surgiu a tendência de se combinar relatórios mais sintéticos em papel com versões estendidas na web. Ainda assim, são relatórios de 50 a 70 páginas que evidenciam que a síntese é um desafio tão grande como todos os demais relatados neste texto.

Mais recentemente, algumas empresas, como o Banco do Brasil (http://www.bb.com.br/), deixaram de oferecer uma versão impressa, concentrando recursos no material de internet, que incorporou vídeos e gráficos animados que facilitam a compreensão. Como estamos em fase de transição e uma boa parcela dos stakeholders ainda se considera mais analógico que digital, convém prever recursos para uma pequena tiragem impressa. Nessa hora, não se esqueça: o papel certificado é ambientalmente mais correto que o reciclado.

2 comentários:

  1. Será que as empresas que sairem na frente publicando fatos negativos em seus relatórios anuais não terão sua imagem prejudicadas frente aos concorrentes que fazem do seu relatório uma propaganda institucional? Será que os consumidores já atingiram este nível de senso crítico para reconhecer a ousadia dos sinceros inovadores?

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  2. No curso da Aberje sobre Relatórios GRI, tivemos a oportunidade de avaliar relatórios de várias empresas e percebemos que a admissão de fatos negativos transmite uma imagem de transparência e credibilidade. Porém, os fatos negativos que encontramos relatados já eram de conhecimento público (haviam saído na imprensa). Por vezes, o "negativo" nem é um fato, mas um indicador que a empresa pretendia cumprir e por um motivo ou outro não conseguiu. Aí vem a dúvida - conto que não atingi a meta ou tiro a meta do relatório, coloco só na edição do ano que vem? No caso do relatório da Natura, que é sem dúvida o mais maduro de todos aqui no Brasil, eles optam por explicar (e com destaque! nada de letrinha pequenininha!) o que foi alcançado, o que foi parcialmente alcançado e o que não foi alcançado, explicando os motivos, nos três casos. A percepção de franqueza, comprometimento e, principalmente, a possibilidade de compreensão do fato pela versão da empresa (e não por outros, porque, afinal, a informação pode vazar no mercado por outros canais, além do relatório anual) compensam a exposição negativa.

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