Consciência tem cor?

Um engraçadinho me perguntou se minha consciência era branca ou negra, numa clara alusão (preconceituosa) ao Dia da Consciência Negra que é comemorado em todo o Brasil (em alguns lugares com feriado, em outros não). Tem muita gente que não vê sentido nessa data, comprovando os resultados da pesquisa feita pela Fundação Perseu Abramo, que mostrou que 97% dos brasileiros admitem que há discriminação racial no país, mas apenas 4% da população se considera racista. Como se fosse possível haver racismo sem racistas!

Sobre este assunto, achei lapidar o diálogo que abre o filme Bastardos Inglórios, no qual o nazista compara judeus a ratos e depois pergunta porque gostamos de esquilos e não de ratos, se ambos são roedores e se ambos transmitem doenças - e se são até parecidos, tendo apenas a cauda como principal diferença! Pois é: não há diferença entre aqueles que são e os que não são discriminados. Somos todos iguais, apesar das diferenças aparentes. Não por acaso, o alemão, que associa judeus a ratos, age como um rato no final do filme, numa das inúmeras finas ironias de Tarantino.

No caso do negro, não há como negar que o peso simbólico da cor foi determinante no destino desse povo. Mas esta simbologia data da época em que a humanidade sequer dominava o fogo e via-se fragilizada na escuridão. Daí a cor negra ser associada, no ocidente, quase que exclusivamente a qualidades negativas. E também por associação direta, ela passou a qualificar toda uma gama de povos de aspecto diferente. E de tal forma e com tal intensidade que permanece até hoje: segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IGBE, que reúne dados sobre as seis maiores regiões metropolitanas do País, a remuneração média de trabalhadores brancos foi 90,7% maior que a de pretos e pardos em setembro deste ano. Como diz o Reinaldo Bulgarelli, da Txai Consultoria, ainda estamos no dia 14 de maio de 1888: na lei, os negros foram libertos; na prática, eles continuam submetidos a um sistema de oportunidades desiguais que perpetuou o preconceito, a discriminação e a diferença.

Mas como vivemos a ilusão de uma grande democracia racial, nos chocamos com políticas de cotas, por exemplo. E criamos um debate estéril no qual a classe média apenas exercita o pior de sua vertente excludente para tentar manter seu frágil status quo. Tanto que após quase dez anos tramitando no Congresso, o projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial só conseguiu avançar para aprovação do Senado após a eliminação dos seus aspectos mais polêmicosm, como o estabelecimento de cotas para a população negra em universidades públicas e em programas de TV.

Pois pegue os opositores das ações afirmativas e leve-os a passear pelos shoppings caros de São Paulo. Pelas grandes academias de ginástica. Vá ao teatro. E conte quantos negros frequentam esses lugares - existe maior evidência de que eles não tiveram as mesmas opções, apesar de 121 anos de Lei Áurea? Ou alguém acha que eles não são tão inteligentes como "os outros", tão esforçados como "os outros", tão honestos como "os outros"?

É, você sabe: tem gente que acha isso, sim. Por isso é que precisamos de muitos dias de consciência negra - não um 20 de novembro, mas os 365 dias do ano. Com ações afirmativas que possam compensar as injustiças históricas que foram cometidas contra esse povo.

3 comentários:

  1. Em vez de cotas, meros paliativos que aumentam o preconceito e a oficializam a segregação, a solução não seria fornecer aos negros condições de competir em pé de igualdade com os brancos, através da educação, e a conscientização de crianças, também através da educação?

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