Líderes políticos não tem o direito de adiar o acordo climático

Vitae Civilis alerta: qualquer atraso no fechamento de um acordo global para reverter as mudanças climáticas é uma sentença de morte para milhões de pessoas

O Vitae Civilis, organização não governamental que acompanha as negociações sobre clima desde a Rio-92, considera como imoral e inaceitável a orientação de líderes políticos de alguns países em querer adiar decisões que esperamos sejam ainda tomadas na Conferência da Convenção de Mudanças de Clima em Copenhague em dezembro próximo. Nada justifica politicamente um atraso de meses ou um ano nas decisões que devem articular os novos compromissos legais do Protocolo de Quioto e da Convenção de Mudança de Clima, como levam a crer o anúncio, realizado neste final de semana ao término da assembleia do Fórum da Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (Apec, da sigla em inglês), feito pelos presidentes dos Estados Unidos e China, junto com algumas nações emergentes.

Aos que alegam razões econômicas para este impasse, não custa lembrar das conclusões do Relatório Stern, de 2006: se não fizermos nada, os prejuízos globais provocados pelas mudanças climáticas representarão 5% do PIB mundial a cada ano. Ou seja, para sempre, sem retorno. E dependendo da evolução dessas mudanças, eles podem atingir 20% do PIB global. Para se ter uma idéia do que isso significa: estima-se que a crise financeira de 2008, considerada a pior desde o crack da bolsa de Nova York em 1929, cortou 30% das riquezas globais. Ou seja, o prejuízo com o clima pode representar uma crise tão severa quanto a que mobilizou esses mesmos líderes atrás de recursos para cobrir o rombo do sistema financeiro. Como esse mesmo relatório estimou em 1% do PIB mundial os gastos para reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, é fácil concluir que reverter o atual quadro é muito mais uma questão de vontade política do que de orçamento ou bom senso econômico.

"Os líderes que anunciaram sua decisão unilateral acabam de se tornar cúmplices do aquecimento global e dos impactos de mudanças de clima e devem responder moral, legal e politicamente por seu agravamento e por suas conseqüências ", afirmou Rubens Harry Born, coordenador do Vitae Civilis. Qualquer atraso no fechamento de um acordo global para reverter as mudanças climáticas é uma sentença de morte para milhões de pessoas. “Nada justifica politicamente a decisão de fazer de Copenhague somente um momento de mais diálogos e compromissos políticos sem validade jurídica. Afinal, as negociações para o segundo período do Protocolo de Quioto deveriam ter começado em 2005, segundo um artigo do próprio protocolo. Mas de 2005 a 2007 só houve diálogos políticos para definir a agenda e metodologia específica das negociações. Portanto, já se passaram quatro anos de diálogo político. Copenhagen é o momento das decisões legalmente vinculantes”, afirma.

O Vitae Civilis alerta para o fato de que a figura do acordo “politicamente vinculante” não existe do ponto de vista legal ou das normas da ONU para tratados desta natureza. “É a mesma coisa que uma declaração política, uma promessa de campanha”, explica Gaines Campbell, Conselheiro do Vitae Civilis. “O que está previsto é a assinatura de um acordo internacional legalmente vinculante, que é um instrumento que passa por um processo de ratificação pelos representantes das legislaturas dos países. Ai sim passa ser um acordo que os países aceitam e não apenas seus Chefes de Estado. O que nós precisamos em Copenhagen é um acordo legalmente vinculante. Nada menos. Não quer dizer que o acordo vai agradar na totalidade mas pelo menos ninguém ficará de fora. O grande desafio de Copenhagen é esse”, completa.

O Vitae Civilis também questiona a legitimidade desta iniciativa dos líderes de uma minoria das nações signatárias da ONU que desconsidera a expectativa de milhões de pessoas e de mais de uma centena de países. "A decisão de que a CoP15 seria o prazo máximo para fecharmos um acordo climático data de 2007. Ninguém pode alegar desconhecimento ou falta de tempo para fazer a lição de casa", completa Rubens Born, referindo-se à CoP13, realizada em Bali, na Indonésia, quando foi definido o Bali Action Plan (Mapa do Caminho de Bali), o qual estabelece os eixos em torno dos quais as negociações sobre mudanças climáticas devem ser conduzidas, bem como o prazo (dezembro de 2009) para elaborar os passos posteriores à expiração do primeiro período do Protocolo de Quioto (que vai até 2012).

Esta tentativa unilateral de inviabilizar um acordo climático prejudica a todos os seres humanos, especialmente os mais pobres e os que residem em países tropicais, afirma o Vitae Civilis. "As conclusões da comunidade científica que levaram a este processo de negociação sobre clima tem sido reforçadas pelos novos estudos e pelos cada vez mais frequentes desastres ambientais", explica Rubens Born. "Há um custo humano e financeiro enormes envolvidos nesta tentativa de empurrar o acordo climático com a barriga", destaca Gaines Campbell, que pergunta: “quantas vidas precisarão ser sacrificadas até que os líderes políticos se dêem conta da dimensão do problema?”.

Por que o acordo climático vive sob ameaça constante

Por que o compromisso da CoP13 em Bali, não foi cumprido? Qual é a razão ou quais são as razões que contribuíram para o atraso e que nos coloca na porta de Copenhagen de mãos vazias?

Para Gaines Campbell, do Vitae Civilis, “muitas são as razões, mas duas precisam ser destacadas. Primeiro os países desenvolvidos fizeram muito pouco para conquistar a confiança dos países em desenvolvimento. Confiança é um ingrediente de qualquer negociação de sucesso, quer seja para comprar um carro, aprovar uma lei ou fazer um acordo sobre clima. A falta de confiança resulta em posições defensivas, jogo escondido ou paralisação. Segundo, o mundo econômico que nós conhecemos é baseado em princípios de produção e consumo predatório. Não é sustentável. Os países desenvolvidos sabem muito bem o nível de sacrifício que será necessário para transformar suas economias em economias sustentáveis e não querem abrir mão. Os países em desenvolvimento também tem a sua dose de culpa porque querem atingir o mesmo nível de desenvolvimento que os outros e tentam trilhar o mesmo caminho. Esses dois fatores contribuíram, e muito, para os atrasos das negociações da UNFCCC. Quando nós chamamos os Chefes de Estado para tomar a liderança nos processos de negociação temos que exigir que resolvam o problema de falta de confiança e do modelo econômico que tem que prevalecer daqui para frente”, detalha.

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