O tempo não para

Foi impossível não lembrar da letra do Cazuza ao ler os comentários sobre o encerramento das negociações em Barcelona, última etapa de preparação para a Conferência do Clima da ONU agora em dezembro, em Copenhagen. Mais uma vez, não houve avanço: a mensagem que ficou é "resolveremos no ano que vem" - já existe uma CoP16 programada para dezembro de 2010 no México (ao menos, escolheram um país melhor: não deixa de ser uma grande ironia discutir o aquecimento global em pleno inverno dinamarquês).

E embora os lobbies atravanquem as negociações, o tempo não pára. E a cada dia temos uma concentração maior dos gases causadores do efeito estura na atmosfera. Os efeitos, todos nós estamos sentindo - sejam os habitantes do Espírito Santo, acossados pelas piores enchentes das últimas décadas, sejamos nós, paulistanos, suando em bicas com este calorzinho senegalês! Mas ao contrário do que a expressão indica, aquecimento global não significa necessariamente temperaturas mais altas e sim picos mais agudos de temperaturas. Em outras palavras: quando faz frio, é muito frio; quando chove, é enchete; quando faz calor, socorro!

Ocorre que nada disso entra na conta das empresas ou da economia. Se as despesas provocadas pela concentração de CO2 na atmosfera fossem debitadas das empresas de petróleo (por exemplo, a conta da saúde pública com pessoas que ficam doentes por causa da poluição gerada pelos carros), certamente o petróleo não seria a energia barata que tanto apregoam. Se o custo da reconstrução de casas e das vidas das vítimas das enchentes do Espírito Santo, Santa Catarina etc. fosse debitado da Petrobrás, da Volkswagen, da GM, da Fiat etc., certamente ficaria evidente o custo real da opção infeliz que o Brasil fez lá atrás, com Juscelino Kubitschek, pelo transporte rodoviário de cargas e pessoas.

Mas embora a democracia seja o pior dos regimes políticos, com exceção de todos os outros, como dizia Winston Churchill, ela oferece a possibilidade de participação de todos. Por isso é importante assinarmos o manifesto da campanha TicTac (http://www.tictactictac.org.br/) para pressionarmos os negociadores que irão a Copenhagen nos representar. Sem nosso apoio, eles ficam à mercê dos lobbies setoriais interessados em manter tudo como está. Não é por acaso que, nos Estados Unidos, existem 8 lobistas por senador no Congresso apenas para influenciá-los CONTRA as negociações de clima. No Brasil, não é diferente: a cisão entre a ala representada pelo Minsitro do Meio Ambiente e a tchurma da Dilma Roussef já chegou à grande imprensa!

O discurso dos chamados desenvolvimentistas pode ser bonito (geração de empregos, renda, acesso ao consumo), mas não se engane: esse discurso é alimentado e bancado pelas grandes empresas. É o lucro delas que estão tentando preservar! A economia tradicional vai continuar nessa toada que você conhece - uma empresa comprando outra, máquinas substituindo pessoas - e que resulta em menos empregos, menos postos de trabalho e maior concentração de renda. O Lula falou ontem em Londres que ele quer que os bancos deem lucro porque quando eles dão prejuízo, todo mundo paga a conta. Ele só esqueceu de falar que essa lógica, que se tornou explícita com a crise financeira do ano passado, envolve também a questão ambiental: quem lucra com o pré-sal é a Petrobrás, mas quem paga a conta do médico e dos remédios para problemas respiratórios é você (diretamente ou pelos impostos que bancam o sistema público de saúde e as "farmácias do povo"). Quem lucra com a venda de veículos é a Volks, a Ford, a GM, a Fiat, a Renault, a Citroen... mas quem paga a conta dos hospitais onde estão as vítimas do trânsito somos eu e você. Quem lucra com a venda de sacolinhas plásticas são a Petrobrás, a Braskem, a Quattor... mas quem paga a conta pelo acidente de trânsito causado pelo motociclista que teve uma sacola plástica enroscada em seu capacete (como eu já vi acontecer) ou pela abertura de novos lixões nos grandes centros urbanos somos eu e você. Quem lucra com a soja e o boi são os financiadores da bancada ruralista - mas quem perde em qualidade de vida com o desmatamento da Amazônia somos todos nós habitantes deste planeta.

Se a manutenção da atual forma de contabilização da poluição só beneficia uma minoria e prejudica todo mundo, qual a base legal, ética e moral para manter as coisas como estão? Se você vai ser prejudicado se tudo ficar igual, por que você não bota a boca no trombone??

E antes que você me pergunte o que estou fazendo, adianto que quando comecei a acompanhar essa história - e percebi a dimensão do problema - comecei a escrever aqui no blog, a falar com amigos, a tuitar, a escrever para os veículos de imprensa, para o governo... Fui atrás para saber como participar da CoP15 e consegui: em dezembro, embarco para Copenhagen! E mesmo que tudo fique para 2010 no México, we shall never give up - nunca desistiremos! - parafraseando Winston Churchill mais uma vez.

Porque desistir é morrer antes do tempo.


mapa de riscos climáticos. Fonte: Maplecroft.

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