Doha versus Copenhagen

Quem disse que não existe inovação nas negociações internacionais?

Doha foi uma lição de como melar um acordo mundial: arrastando-o até a exaustão. Nada de negar o acordo ou brigar por posições. Para quê, se dentro das regras da diplomacia internacional existem tantas formas de se adiar as coisas?

Mas como ficamos todos escaldados com Doha, a sociedade intensificou a cobrança por resultados. Ficar de fora da solução para o clima mundial passou a carregar um ônus político pesado. O teste foi feito há algumas semanas, quando China e EUA declararam que não se comprometeriam com metas de redução nas emissões dos gases causadores do efeito estufa. A opinião pública não engoliu e, não por acaso, esta semana (ontem e hoje, mais precisamente), EUA e China anunciaram suas respectivas metas de redução. Com números até que impressionantes, no caso da China: entre 40% e 45%.

Mas honrando a tradição diplomática de jogar habilmente com palavras, a China anunciou uma redução sobre sua "intensidade de carbono". Traduzindo: a China se compromete a gerar menos CO2 para cada unidade de seu Produto Interno Bruto, ou seja, cada parcela do PIB chinês será gerada com menos emissão de CO2. Até aí, beleza, né? Só que como a China tem crescido 9% ao ano e deve manter ritmo semelhante para os próximos anos (ou eles fazem isso ou eles não conseguem manter o controle político do país), no computo final a emissão de CO2 será maior. Porque o coeficiente de multiplicação será maior.

Exemplificando: se hoje eles emitem 10 carbonos para 100 de PIB, são 1000 carbonos no total. Crescendo 10% ao ano, em 10 anos o PIB chegaria a 269. Nesse cenário, a emissão de 6 carbonos para cada unidade de PIB (o corte de 40% que eles propõem) somaria 1614 carbonos, ou 60% a mais do que hoje. Há redução, sem dúvida: sem essa meta, seriam emitidos 2690 carbonos. Mas não há diminuição, que é o desafio de todos.

A favor da China, devo informar que ela é hoje o país que mais investe em energias limpas. Porém, simultaneamente, abre duas novas termelétricas por dia, conseguindo, paradoxalmente, ser a mais suja e a mais limpa das grandes economias da atualidade.

A favor dos EUA, nem isso. Eles anunciaram uma meta pífia que evidencia a fragilidade dos democratas, que não conseguiram, ao longo do ano, fazer passar pelo Congresso Americano uma lei que regule as reduções. Sem isso, nenhum acordo internacional vingará por lá porque a soberania de um país é, como a própria palavra indica, soberana.

Diante destes dois novos fatos, fica a dúvida: melhor um mau acordo que acordo nenhum? Ou vice-versa?

Para quem luta por um acordo justo, ambicioso e legalmente vinculante, fica a dúvida: aceitar esse tipo de proposta, que deve levar ao firmamento de algum tipo de compromisso, ou denunciar e correr o risco de postergar tudo para a CoP16?

Copenhagen - quem diria? - poderá entrar para a história como a CoP que trouxe inovações à diplomacia: uma nova forma de melar um acordo internacional.

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