Sincronicidade é isso aí: ontem escrevi que as empresas, por meio da responsabilidade social, estão absorvendo questões que são do âmbito do governo e este, por sua vez, está cada vez mais protagonizando os rumos da economia pós-crise e eis que hoje durante uma palestra do Centro de Excelência em Varejo da FGV-EAESP eu me deparo exatamente com esse tema!
Foi durante a apresentação de Fabian Echegaray, da Market Analysis. Sua apresentação detalhou a distância que existe entre o que as empresa entregam, no âmbito da Responsabilidade Social Empresarial, e o que os consumidores esperam: este é o espírito da pesquisa Monitor, realizada a cada dois anos, em 32 países. A última edição, de 2009, mostrou que em países do hemisfério norte, os consumidores preocupam-se mais com questões operacionais, ou seja, o impacto da atividade empresarial sobre o meio ambiente, a garantia da sustentabilidade no processo produtivo, a aplicação dos mesmos padrões de sustentabilidade na matriz e nas filiais ao redor do mundo... Já nos países emergentes, a maior expectativa do consumidor é sobre a atuação social da empresa, isto é, sua contribuição para reduzir a violação de direitos humanos e a distância entre ricos e pobres, para resolver problemas sociais e para apoiar políticas e leis favoráveis à maioria da população. Curiosamente, o item de maior preocupação do consumidor das nações emergentes, Brasil incluído, é o apoio a projetos comunitários e de caridade.
Fico feliz de ter encontrado uma pesquisa que respalda o que até ontem era só um raciocínio, uma percepção intuitiva. Porém, fico preocupada ao perceber essa inversão de papéis. Inclusive porque uma empresa pode ser mais socialmente responsável fazendo seu serviço direito. Pegue, por exemplo, a Petrobrás: ela ajuda mais tirando o enxofre e o chumbo da gasolina e do diesel que polui o ar de nossas cidades ou com projetos culturais? Nada contra os projetos culturais, veja bem, mas e o negócio em si?? Deslocar o assunto para a esfera social é o caminho mais curto para deixar a operação fora da conversa.
Há que se lembrar também que, antes de mais nada, questões sociais são assunto de governo. É para isso que pagamos impostos: para ter saúde, educação, segurança, cidadania. Não podemos tirar essa responsabilidade do governo, sob pena de ter recursos mal aplicados ad infinitum. Sem contar que transferir a expectativa de tais questões para a iniciativa privada é caminho seguro para a frustração porque as empresas não gerenciam o aparelho do Estado, as instituições públicas, que são responsáveis por tais questões.
Mas de onde vem essa confusão? Foi o governo que a alimentou? Ou as empresas? Se elas inadvertidamente (ou não) deram a entender que poderiam contribuir para a solução desses pontos, deram um tiro no pé. Trabalhei mais de duas décadas com o mercado corporativo e por isso posso afiançar que má intenção e esperteza convivem com lisura e boas intenções. Então, não dá para acusar que houve má fé. Provavelmente foi ingenuidade de quem fez a comunicação do que a empresa realmente pode fazer. Tipo a propaganda da Coca-Cola que diz que "Toda vez que você bebe Coca-Cola, você contribui para melhorar a sua comunidade”. Só que agora existe uma demanda da sociedade, que quer a eficiência empresarial a serviço do social. Como resolver? E como deslocar a demanda para quem de direito, ou seja, o Governo?
Como diria TSElliot, between the intention and the action, falls the shadow...
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