Educação ou entretenimento?

O Jornal da Band produziu uma série de matérias sobre boas práticas educacionais de escolas públicas e privadas no Brasil. Denominada Missão Educar, a série pode ser conferida no YouTube - o link para o primeiro programa é http://www.youtube.com/watch?v=6l-mR84A9OM. Porém depois de ver as reportagens, me ocorreu que muitas vezes o que classificamos de "boas práticas educacionais" não tem nada a ver com educação. São puro entretenimento. :(

Pois é, eu não trabalho nem estudo Educação. Tampouco tenho filhos na escola. Portanto, strictu sensu, não tenho autoridade ou legitimidade para falar sobre o tema. Esse, aliás, é meu álibi, caso eu cometa alguma barbeiragem muito grosseira neste texto. Mas foi quase inevitável essa vontade de compartilhar um certo sentimento de surpresa, mesclado a um pouco de indignação, ao ver a capacidade de "atrair a atenção" dos alunos como um dos principais parâmetros para avaliar se determinada didática é boa ou não.

É certo que ninguém merece professores sem didática. Eu mesma sofri com profissionais que podiam até ter bom domínio da matéria, mas que tinham sofrível capacidade de transmissão da mesma. No entanto, não tinha jeito: eu estava na escola para aprender, tinha que prestar atenção, fazer a lição, prova, trabalho, tirar nota... Havia uma noção de responsabilidade que, confesso, me escapou ao ver essa série da Band - e tantas outras matérias sobre o assunto! Pior: a falta de senso de responsabilidade, por parte do aluno, é apresentada de forma positiva, como se ele fosse o Juiz com pleno direito de avaliar o professor.

Ou seja, se no meu tempo o Professor tinha quase todos os direitos e, nós, alunos, não podíamos abrir o bico, hoje ocorre exatamente o inverso. E só o fato de termos invertido as polaridades, preservando o esquema de exclusão de uma das partes, já mostra que estamos no caminho errado. Mas fiquei pensando: de onde veio o atual poder do aluno?

Foi quando me ocorreu que talvez a Educação como um todo esteja sendo tratada como ensino particular, ou seja, pautada pelos códigos, símbolos, valores (nas várias acepções do termo e já incorrendo no indefectível trocadilho infame) e na legislação que rege relações de consumo. Dentro desta perspectiva, o aluno é o Cliente, o Consumidor que tem seus direitos baseados no poder de compra. E, como cliente, ele deve ser cativado, encantado - e retido! E como reter um consumidor jovem? Com entretenimento! Torne a escola divertida e ele não reclamará do serviço adquirido, nem procurará outro fornecedor.

Some-se a isso o fato de que na Era da Informação, o conceito de Entretenimento cresce em importância e valor, mais uma vez em todos seus significados. Pois é o entretenimento que põe em movimento os bilionários mercados das telecomunicações, dos equipamentos eletrônicos, da produção de games e filmes, das redes sociais, TV e uma parcela significativa do mercado editorial. Embora não faça parte da Declaração Universal dos Direitos da Humanidade, o entretenimento é percebido como algo a que todos tem direito. Se não entretem, se não é divertido, eu posso justificadamente virar as costas e procurar outra coisa.

Ocorre que as pessoas são diferentes - e onde um vê graça, outro pode entediar-se. Conheço tanta gente que não gosta de Português! Já eu não gostava de Educação Física. Pois bem: se a opinião do aluno é o fiel da balança, para qual lado ela pende na hora de avaliar os respectivos professores?

Colocar o aluno no centro do processo de avaliação dos resultados da Educação exige "empoderá-lo" não só do direito de levantar ou abaixar o polegar, mas principalmente do dever de esforçar-se, de fazer sua parte, de tentar aprender. Aula não é espetáculo e professor não é palhaço. Didática boa não é necessariamente divertida, mas aquela que permite que o aluno: 1) crie uma base de dados elaboráveis; 2) elabore a partir dessa base de dados.

Não trabalho com educação, mas tem mais de 20 anos que ensino as pessoas que trabalham comigo. Gente formada na faculdade, mas que precisava aprender o oficío na prática - precisava elaborar a partir do conhecimento adquirido. Gente comprometida com o salário no final do mês e com a perspectiva de carreira no futuro. E que ouvia, prestava atenção, perguntava e aplicava as informações recebidas. Gente que aprendeu e que hoje está aí, no mercado de trabalho. Pois é, podem me xingar, se não gostarem desse pessoal: talvez muitos defeitos tenham sido adquiridos comigo!

Se não houver comprometimento e responsabilidade por parte do aluno, teremos uma audiência ávida por diversão. Uma audiência que até vai gostar de ir para a cozinha para conhecer especiarias em uma aula de história sobre navegações, como é mostrado em uma das reportagens da série da Band. Mas que, depois da aula, terá aprendido o quê, além do sabor picante da pimenta e do cheiro marcante do louro? No quê uma experiência na cozinha ajuda a entender o profundo impacto das navegações sobre a visão de mundo medieval, a enorme mudança nas artes e literatura, a gênese de uma nova estrutura social que seria decisiva para movimentos sociais dos séculos seguintes? Que banco de dados foi formado nessa aula? De que forma poderá ser acessado e utilizado?

Bom, se a criançada resolver seguir carreira em gastronomia, talvez não tenha sido um espetáculo em vão.

Um comentário:

  1. Paola Ramazzotti via Facebook:

    Silvia, eu sou pegagoga e te digo o seguinte: falta bom senso! Falta Içami Tiba! A escola não é não deve ser um parque de diversões, assim como tbm não pode ser feita de carteiras quebradas, grades, lousa e giz. A criança (ou o adulto, what...ever) tem que aprender que coisas que a gente não gosta tbm são boas em certos aspectos. A vida não é só fazer o que se gosta. È preciso fazer o que tem que fazer. Tem horas legais, tem filme, tem lazer, tem computador, tem bola...mas tem livros sem figuras tbm! O aluno não pode fazer tudo o que quer, nem o professor... chega de extremismos. A escola está sucateada...em 50/60 anos o professor (que era uma figura super respeitada, era sinônimo de Status) se transformou num coitado... Os alunos estão perdidos, largados. Confundiram liberdade com libertinagem. A criança está na escola para receber uma formação , uma orientação pra vida, não para armazenar conteúdos apenas. Sou e sempre fui a favor de uma escola pública em tempo integral. O "meu dia de aula"ideal: começa com conteúdo, teorias, exercícios escritos, lanche, depois artes, leitura, almoço, descanso, filme, bate papo, mais conteúdo, mais exercícios e teorias, aula de dança/teatro, história da arte, música, educação física. Isso sim é desenvolver um ser humano. A criança precisa interiorizar valores como respeito, limite e responsabilidade. E a escola pode e deve assumir esse papel, mas tem que ter respaldo e apoio da sociedade/ família pra isso.

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