Eu não ia escrever sobre o Código Florestal, porém mais uma vez recebi um email muito esquisito, como se fosse troca de mensagem entre duas pessoas e eu lá, copiada inadvertidamente. Linguagem jovem, links para vídeos e tudo mais - tudo defendendo os ruralistas. Obviamente não tenho provas, mas isso não me impede de ter essa sensação de que tem dedo da CNA por trás disso. E sensação/intuição, sabe como é, né? Batata!! Então, vamos descascá-las!
Vamos começar por uma premissa básica: a propriedade particular registrada em cartório não se sobrepõe ao interesse comum. Posso ter um galpão, mas isso não me autoriza a usá-lo como desmanche de carros ou fábrica de cocaína. Da mesma forma, a propriedade da terra não dá direito a um ruralista de destruir o equilíbrio ambiental do qual dependem tantas formas de vidas - talvez não a minha ou a sua, mas certamente a de nossos netos ou bisnetos, se prosseguirmos nessa sanha de derrubar árvores e botar fogo em tudo.
Se eu sou dona de um imóvel tombado pelo Patrimônio Histórico, sou obrigada a preservá-lo como tal. Da mesma forma, se um determinado trecho de uma cidade é considerado Patrimônio Histórico pela Unesco, como acontece com São Luís e Brasília, é obrigação de todos preservar esse patrimônio para as futuras gerações.
O que estamos querendo que os ruralistas cumpram já é cumprido pela população urbana. A riqueza vegetal e animal de nossa biodiversidade deve ser preservada porque é de interesse da nação e do planeta. Do interesse de todos nós, seres humanos. E o direito de propriedade de algumas pessoas não pode prevalecer sobre o bem comum, embora deva, sim, ser respeitado.
Ah, e antes que me venham com a lenga-lenga de que "precisamos alimentar o mundo", consultem a página da Organização das Nações Unidas para Alimentaçaõ e Agricultura, onde é possível conferir que a fome no mundo é consequência de má distribuição dos produtos... e da renda! Sem dinheiro para comprar, não adianta haver mercadoria para vender.
Recordes de produtividade escondem práticas de eficácia questionável: uso crescente de insumos químicos e contaminação do solo e lençóis freáticos, cultivo de transgênicos e um enorme desperdício de água potável. Não vou negar que é uma atividade dura e, principalmente, de alto risco: basta uma alteração no regime das chuvas e todo o investimento de uma safra pode se perder. Justamente por isso me choca a aparente falta de comprometimento com o que pode assegurar um mínimo de condições de plantio. Pois se a Amazônia entrar em colapso, a umidade que dela provém deixará de irrigar o nosso grande celeiro de grãos: os estados do Centro Oeste. Por acaso, terra da líder dos ruralistas.
Também não vou negar que o Código Florestal coloca este setor diante de uma ruptura de paradigma: a boa e velha prática de abrir novas fronteiras agropastoris. Pois embora a CNA adore alardear sobre o crescimenbto da produtividade por hectare, bastou entrar em discussão o Código para vir a tona a sanha desmatadora do setor, evidenciando que, no fundo, o aumento de renda vem do aumento de terra cultivável. Só que não dá mais: o planeta tem um limite e precisamos da preservação de determinadas áreas de floresta, de margens de rios, de encostas e de topos de morros.
Está na hora do setor agrícola se organizar não para pleitear o direito de usar a serra elétrica, mas de socializar a tarefa de preservação que, beneficiando a todos, não deve ter seus custos privatizados. Aqui, podemos aprender com os coitados que tem imóveis tombados pelo patrimônio histórico, mas que dele não recebem um tostão para preservar, o que resulta em ruínas arquitetônicas muitas vezes oferecendo riscos à população. É preciso investir mais fortemente em tecnologia agrícola para uma maior produtividade por hectare sem maior uso de químicos e, portanto, com menor dependência das grandes empresas do setor. É preciso disseminar novas tecnologias entre os pequenos proprietários que, ao contrário dos grandes, não possuem engenheiros agrônomos para cuidar de sua produção. É preciso desenvolver técnicas e funding para a recuperação das áreas degradadas.
Não é justo jogar todo o ônus para o setor privado. Da mesma forma que não é justo que esse setor privado queira me espoliar do direito que eu tenho a ecossistemas preservados, corredores ecológicos eficientes e a um equilíbrio ambiental que assegure condições de vida para meus descendentes.
Votação do Código Florestal: ao vencedor, as batatas! E que vença aquele que conseguir efetivamente assegurar as condições de produção nas décadas que estão por vir!
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