Quatro camponeses e um papagaio

Sente aí, seu moço: vou lhe contar um causo. Não se avexe que é história rápida e rasteira porque defunto fresco merece respeito e presteza, senão começa a cheirar! Chamava-se Adelino Ramos e era que nem gato: sete vidas! Não caiu em Corumbiara, nos idos de 95, caiu agora, na frente da família, enquanto vendia verdura. Mas dizem que foram precisos cinco tiros para abater o cabra! E ele ainda chegou a ser socorrido num hospital! Esse era duro na queda, mas não teve jeito: os homi da madeira e do carvão são mais duros porque são duros de coração. Tem respeito à vida não, seu moço! Com eles, é na base do trator, da motosserra e do tiro: nada pode ficar em pé na frente deles! Só essa semana foram quatro: o Adelino, em Rondônia, e o José Cláudio Ribeiro da Silva, a Maria do Espírito Santo e o Erenilton Pereira dos Santos, no Pará.

Muita gente já havia avisado o Adelino para ele tomar cuidado que o perigo vinha rondando: há tempos que os homi da madeira fazia ameaça. É que ele dedurava os bandidos que vendiam madeira fora da lei pra ôtoridades. Enquanto os dôtor da cidade não faziam nada, era só ameaça. Mas aí o Ibama pegou as madeira deles e eles ficaram muito bravos! Mas a gente nunca que pensava que ele ia abater o Dinho assim, na covardia. Ainda mais esta semana que já teve aquele outro abate pros lados do Pará. Lá, o serviço foi completo: marido, esposa e testemunha. O casal teve com direito a corte de orelha e tudo que faz jus a um pistoleiro de renome. Com a testemunha, foram menos caprichosos: só um tiro certeiro na cabeça. Execução sumária.

Agora a gente tem medo pelo filho, o Claudenir, e a Nilcilene, que é presidente da Associação Deus Proverá. Tomará que a promessa que o nome guarda se realize! Porque os dois anda com a mira na cabeça. E quem sabe quantos outros não estão em igual condição? O senhor veja bem: o Ibama foi investigar o assassinato e ao invés de achar o matador, acharam outro corpo! Parece que pegaram gosto pelo sangue de gente - quatro em uma semana! E com esse bando de jornalista em cima! Dizem que saiu matéria lá no estrangeiro. Dizem que a presidenta já tá sabendo e mandou tomá providença. Mas Brasília é longe prá dedéu, seu dotô. Lá, eles são grande e importante, mas aqui eles são só distante. Quem manda aqui é quem tem dinheiro prá comprar arma e pagar matador. E quem tem dinheiro aqui é quem derruba árvore. Os donos de terra não querem assentamento por aqui, não. Essa história de plantar e coletar sem derribar floresta não é com eles. Eles vem e cortam tudo. Aí colocam uns bois ou uns pés de soja na terra desmatada e contratam uns colonos. Mas na Amazônia a terra é traiçoeira: aqui ela é boa e já ali ela é areia. Aqui dá planta, ali não dá. É mais fácil levantar acampamento e derrubar mais árvores – essas, sim, dão dinheiro! Só que colono não tem motosserra, nem correntão, nem caminhão. Estes vão ficando para trás, sem terra, sem emprego, sem esperança de uma vida melhor.

O senhor já esteve no Pará ou Amazonas? Dá pena de ver, seu moço! Já foram tantos os cabras que enganaram os ribeirinhos, levando sua produção sem pagar, vendendo coisa sem valor, que eles não confiam em ninguém! E ninguém ajuda eles, não doto. Tem um ou outro, mas fora família e os amigos mais chegados, ninguém ajuda. Nem o governo: as madeireira ilegal tão aí prá não me deixar mentir! Eles derruba tudo e ninguém faz nada! E quem fica não tem mais castanha prá coletar, nem bicho prá caçar.

Mas o que dói mais, seu doto, é ver que nessa terra tão rica em planta e bicho, o povo parece ter raiva deles! Outro dia pegaram uns menino lá no Pará chutando um tamanduá por brincadeira. Teve até um tamanduá que foi parar no lixo, todo machucado: esse tinha sido muito espancado! Prá que, meu Deus? A gente pensa: “é falta de escola para essa meninada!”. Mas aí fica sabendo que até gente rica e formada judia da natureza. O senhor viu a muié lá do Pantanal que ganhava dinheiro matando onça? Dona de fazenda!! Onde já se viu!! E hoje, lá pras bandas de São Paulo, assaltaram uma senhora idosa, já prá lá dos 80 anos, e no assalto mataram o coitado do papagaio dela! Pois o senhor acredita que teve gente lá de Rondônia, lá de onde mataram o coitado do Adelino, que fez ironia com a história? Disseram que agora vão achar os bandido porque matar bicho dá cadeia e matar gente, não! Pode um desvario desses? Quem não respeita bicho, não respeita gente! Mas aí os dotô lá de Brasília começa a pensar tudo igual que nem esses madeireiro, carvoeiro e tudo esses destruidor de floresta. Eles também querem derribar a floresta, que nem os cabra que mataram o Adelino. Eles também acham que bicho morto não é problema.

Era esse o causo, dotô: dois caipira e um papagaio, mortos por um mesmo motivo – a total falta de respeito pela natureza e pela vida.



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