Que prazer há em matar?

Assisti, chocada, a uma matéria do Jornal Nacional que mostrava Beatriz Rondon, uma ruralista que já participou de um programa de preservação da onça pintada - animal que, não custa lembrar, está em risco de extinção - e que hoje recebe grupos de turistas estrangeiros que vem aqui para matar o felino.



Chocam as imagens e choca a informação de que a ruralista Beatriz Rondon não foi indiciada, o que evidencia como o poder público ou os valores que norteiam as ações das autoridades no Mato Grosso do Sul são frágeis. Porque legislação há: é crime ambiental matar um animal em extinção. Prova há: ela não se furta a mostrar o rosto ou fazer declarações ridículas evidenciando sua participação, seu envolvimento e sua anuência a tudo que ocorria em sua propriedade.

Bom, se é esse tipo de gente que está pressionando pelas mudanças no Código Florestal, já dá para ter uma idéia da tragédia que nos aguarda. Pois apesar de morar há 50 anos no Pantanal, como Beatriz já informou à retransmissora local da Globo em outra matéria, ela evidentemente mantém uma relação de antagonismo com o ambiente que, inclusive, a impede de ganhar dinheiro com a biodiversidade local, como fazem tantas pousadas decentes que vivem do ecoturismo na região.

Ah, mas o negócio dela é gado, não é mesmo? No vídeo ela inclusive declara que a onça que havia acabado de ser abatida matava suas rezes... Pois é: vai me dizer que ela não sabia, quando lá se instalou, que há onças na região? Vai me dizer que em 50 anos de Pantanal ela não teve oportunidade de vender suas terrinhas e procurar outras paragens sem onça, caso o convívio com o felino estivesse realmente estorvando muito? Vai me dizer que o prejuízo ao gado com a onça foi de tamanha magnitude que ela precisou recorrer aos safaris para recompor suas finanças? Olhe que eu procurei detalhadamente sobre Beatriz Rondon e Fazenda Santa Sofia, de sua propriedade e local das matanças, e não há uma única notícia dando conta de bois ou vacas mortos por onças lá. E tenho certeza que isso seria notícia, se tivesse efetivamente acontecido: quantas vezes não vemos, aqui no Brasil, notícias sobre tigres que invadem propriedades rurais na ìndia? Que dirá aqui mesmo, ao nosso lado? Algum jornalista ignoraria a saborosa notícia?

O negócio dela é gado, mas na verdade ela optou por ganhar dinheiro com o turismo da morte - talvez por conta do lucro mais fácil já que, de acordo com as matérias que saíram hoje na mídia do Mato Grosso do Sul, onde fica a fazenda de propriedade da nobre ruralista e onde acontecem os tais "safaris", o custo do pacote pode chegar a 30 mil dólares. Um dinheirinho considerável mesmo para os gringos e que reforça a percepção de que para algumas pessoas o ato de matar é muito valioso.

Acompanhando alguns grupos que lutam contra o abandono de animais de estimação em centros urbanos, tomei conhecimento de histórias monstruosas na qual fica evidente o prazer que algumas pessoas sentem em infligir dor em outro ser vivo. Esta semana, no Facebook, me deparei com uma foto que mostrava um grupo de homens sorridentes, aparentemente felizes, exibindo um gato escalpelado. Não publico a imagem aqui por motivos óbvios.

Para a ruralista que promovia as matanças, os dólares. E para quem pagou esses dólares? O prazer de matar? Mas, voltando à questão original, que prazer há em matar?

Lembro de quando assisti Gladiador no cinema. Sai da sala com um enorme otimismo sobre a raça humana. Afinal, não faz nem dois mil anos, estávamos nos divertindo vendo pessoas serem mortas em uma arena como entretenimento. Algo impensável nos dias de hoje. Mas essa confiança na raça humana foi efêmera. Porque se nas guerras, no terror, na violência urbana e doméstica, as mortes se baseiam em algum tipo de justificativa, ainda que inaceitável, no caso dos safaris o único motivo é o prazer - o prazer de matar.

Afinal, que prazer há em matar?