"Entre a intenção e a ação cai a sombra", disse T.S.Eliott no poema Homens Ocos. Hoje, entre a intenção e a ação, o que caiu foi a máscara. Em Higienópolis, caiu a máscara da hipocrisia. Pois não se trata de uma questão de quantos metros separa uma estação de outra, mas na qualificação como "interesse dos moradores" a supressão do livre direito de ir e vir das pessoas de outros bairros. Em Brasília, está caindo a máscara do agronegócio: a cada novo discurso em plenário, enquanto se aguardava o texto do relator Aldo Rebelo, ficava mais evidente que são as razões da economia - e não da prudência, do bom senso ou da responsabilidade - que norteiam a pressa em aprovar o Código Florestal.
Mas estas não foram as únicas máscaras que caíram hoje.
Em São Paulo - cidade que se orgulha de ter uma política municipal de mudança do clima - os vereadores obstruíram a votação do projeto de lei que veta a distribuição de sacolas plásticas no comércio da capital. Um enorme retrocesso!
Acompanhei a sessão da Câmara dos Deputados e, confesso, estou envergonhada com nossos representantes. Ouvi pérolas como "o Brasil é o país da clorofila" ou "os créditos de carbono atrapalham a produção agrícola". Como notou Andrea Vialli, do Estadão, nem o nome do relator os deputados sabiam: de Rebelo ele virou Rabelo para a maioria dos que se manifestavam ao microfone.
De onde vem essa gente tão irresponsável, tão arrogante, tão inconsequente? Como pudemos eleger esse Congresso?
E talvez uma resposta esteja em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Lá, onde a maioria das pessoas tem boa alimentação e educação, brotaram argumentos que não conseguem disfarçar a arrogância e o preconceito. Como, por exemplo, a declaração de uma moradora do bairro ao jornal Folha de S.Paulo, na qual ela usou o termo "gente diferenciada" para se referir às pessoas que "ficam ao redor das estações do metrô". Confira a matéria aqui. Ou ainda quando o presidente da Associação Defenda Higienópolis, Pedro Ivanow, diz que o movimento no local, com a implantação da estação, traria "inconvenientes" ao bairro.
Trata-se de um exemplo fresco e cristalino da mentalidade "zelite" - que, diga-se de passagem, ficou toda ofendidinha no Facebook e no Twitter. Tudo é chato, gente que critica é chata, eu não tenho que dar satisfação do que eu digo ou penso, afinal eu tenho grana e status e bom gosto, compro na Daslu, frequento os melhores restaurantes - quem você pensa que é para me criticar?
Meu mundo é meu umbigo. A Razão é minha razão. A Lei é a minha lei: a lei de quem tem grana. De quem é mais forte economicamente.
Sem perceber, estamos adentrando em uma nova fase da Barbárie. Sem nunca ter estado, de verdade, no Estado de Direito.
Quando as máscaras caem, Higienópolis explica Brasília.
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