Higienópolis e Sé

Em 2009 fui agraciada com a oportunidade de falar com a profissional que cuidava das ações de Responsabilidade Social da vetusta FIESP. A conversa resvalou para o cyberativismo, que foi por ela duramente criticado como ineficiente e pouco legítimo. Embora não citado diretamente, o comício das Diretas Já, que reunião um milhão de pessoas na Praça da Sé, era a referência óbvia. E a crítica é que reclamações no twitter eram apenas desabafos e não posições políticas. E desde então isso me incomoda. Afinal, se a democracia é baseada na livre expressão de ideias e se graças aos meios de comunicação já disponíveis no século XX essas ideias podem ser formadas e expressadas virtualmente, por que essa fixação no meu corpitcho? Por que eu tenho que estar de corpo presente para que minha opinião seja considerada válida?

Dois anos depois, o Churrascão da Gente Diferenciada mostra que no século XXI, a opinião online é tão válida como aquela que é expressa offline.

Desde os dinossauros analógicos que estão tendo que se converter ao mundo digital, como eu, até aqueles que já nasceram com o mouse na mão, hoje são várias as gerações que vivem no mundo real e no mundo virtual. E que já perceberam que a fronteira entre um e outro é muito mais tênue do que as análises permeadas pela surpresa e desconhecimento dos estudiosos levava a crer. As mesmas regras de educação, respeito e honestidade devem pautar as boas relações em nossas vidas e em nossas redes sociais. A coerência, aliás, nunca foi tão cobrada: que o diga Ed Motta, que certamente nunca mais terá a mesma imagem pública depois que desnudou uma imagem privada conflitante!

Há muito tempo que o mercado já percebeu isso: o monitoramento do Twitter, Facebook e Orkut é obrigatório para qualquer grande marca! Nenhuma equipe de marketing considerará uma opinião expressa na internet como menos válida do que aquela que é expressa no mundo real. Para a imagem de uma marca, um post com #FAIL é tão impactante como uma queixa registrada em um escritório do Procon - inclusive porque esta última tem outra finalidade, jurídica. Mas a finalidade política - marcar minha posição perante aquela marca - acontece no boca a boca do mundo real e do mundo virtual, sendo que no virtual o alcance é muito maior: quando, no mundo real, eu teria a oportunidade de falar de uma só vez para centenas de pessoas, como acontece quando posto no Facebook ou no Twitter?

O Churrascão da Gente Diferenciada está ajudando a criar essa percepção no mundo político. Fruto legítimo do espírito do nosso tempo - descrença nos partidos e canais formais de expressão e reclamação, profunda familiaridade com a internet, revolta contra a falta de qualidade de vida proporcionada por uma infraestrutura de transporte pública falha e crescente senso de dignidade proporcionado pela elevação do poder aquisitivo - foi o Churrascão que colocou em xeque a decisão do Metrô de não instalar uma estação na Avenida Angélica. Não sei quantas pessoas irão de fato à Avenida Higienópolis hoje, mas independente da presença física, o movimento já foi respeitado naturalmente como legítima expressão da insatisfação das pessoas.

É certo que junto vieram muitas manifestações preconceituosas, xingamentos e desrespeitos mútuos - porque os posts do senhor Reinaldo Azevedo não são mais bem educados do que as piadas contra os moradores de Higienópolis! Na baixaria, todos se igualaram! Porém ideias não são necessariamente racionais: muitas vezes expressamos sentimentos, reações, gostos e preferencias. O ser humano não é apenas a metade esquerda de seu cérebro. O que chamamos de opinião é um composto do que pensamos, do que sentimos e de como reagimos - e olha que isso é um resumo bem tosco do que efetivamente é uma opinião! E considerando-se que o Churrascão é praticamente a primeira iniciativa de manifestação política da sociedade em relação à gestão pública da nossa cidade, o mero fato de que a baixaria não foi o tom prevalente é muito positivo!

Nos anos 90, precisamos nos reunir fisicamente para conseguir uma resposta. Em 2011, uma brincadeira no Facebook colocou as autoridades em rebuliço e fez muita gente pensar se realmente o transporte por carro é a melhor coisa para a cidade. Entre a Sé e Higienópolis, existem muitas distâncias, reais e simbólicas. Mas pelo menos uma delas pode ser analisada com otimismo.



Foto de @biosbug

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