Esqueça essa designação dramática: não há mais terror no terrorismo do que em uma guerra entre dois Estados - ambos matam, ferem, destroem, mutilam, traumatizam. A diferença é que na guerra lutam, matam e morrem os soldados, "funcionários de Estado" que voluntariamente ou institucionalmente se elegeram à função de morrer em nome da pátria mãe (ou pátria pai, dependendo do seu idioma de origem). Já no terror, qualquer um de nós pode ser o algoz - ou a vítima. Não há campo de batalha: o locus do conflito é o mesmo espaço da vida cotidiana. Ao lado das bombas, a surpresa é a principal arma. Emboscados, surpreendidos, somos todos potenciais vítimas - e a crua exposição das limitações do Estado em nos proteger choca e assusta. E leva o mundo todo a comemorar o dia de hoje como um marco histórico, como uma vitória nessa guerra. Mesmo aqui, no Brasil, onde estamos tão distantes das ações e conflitos que geraram e alimentam o embate entre a Al Qaeda e EUA, o assunto dominou redes sociais e o jornalismo. Trata-se, sem dúvida, de uma forte evidência de que gradualmente estamos assumindo uma identidade globalizada, ainda que não global, posto que não integra culturas diferentes da Ocidental.
Outra diferença igualmente significativa é o fato de que o terrorismo acaba com a lógica do monopólio estatal da violência: ele institucionaliza organizações armadas que agem violentamente e que não são um Estado. Desta forma, alteram radicalmente a lógica tradicional das guerras, que deixam de ser de Estado contra Estado, País contra País, para algo que ainda estamos por definir. Seriam conflitos em torno de religiões? Ideologias? Visões de mundo (weltanschauung)?
A grande ironia é que o capitalismo, condenado por, digamos, 100% dos movimentos terroristas, é justamente o que permite que eles existam, na medida em que, mediante capital, lhes facilita o acesso a armas, meios de comunicação, transporte e o que mais for necessário para o planejamento e implantação de ações terroristas. Só não lhe faculta o acesso às mulas que carregam e instalam as bombas e que tantas vezes se imolam nessa tarefa: estas surgem do ódio, da autoestima baixa, da falta de perspectiva de vida, da carência emocional e física. Trata-se de um ódio que se crê "justificado" - assim como hoje cremos justificadas e justas todas as comemorações pela morte do Bin Laden.
Uns ou outros protestam. Lembram Martin Luther King:
"I mourn the loss of thousands of precious lives, but I will not rejoice in the death of one, not even an enemy. Returning hate for hate multiplies hate.... Darkness cannot drive out darkness: only light can do that. Hate cannot drive out hate: only love can do that."
(Lamento a perda de milhares de vidas preciosas, mas não me alegrarei pela morte de um, nem mesmo de um inimigo. Devolver ódio ao ódio multiplica o ódio. A escuridão não nos livra da escuridão: só a luz pode fazer isso. O ódio não nos pode tirar do ódio: só o amor pode fazer isso."
É de ódio, preconceito e capital que guerras e terror se alimentam e se perpetuam. Ou seja, nada de novo no front: muda apenas a forma, o conteúdo é o mesmo.
Mesmo também é o jeito de tratar o vencido. Fiquei especialmente impressionada com uma capa de jornal que dizia que o Bin Laden foi convarde até o final, já que supostamente teria usado uma esposa como escudo humano para se proteger. Difícil saber se foi verdade, uma vez que o relato vem do vencedor, parte interessada em deixar sua versão da história. Mas chama a atenção ser um relato tão sob medida para denegrir a imagem da criatura, para macular sua memória! Todas as matérias que vi foram eufóricas e esfuziantes - o relato dos vencedores.
Daqui a 500 anos, quando os historiadores se debruçarem sobre o dia de hoje, terão exatamente os mesmos problemas que temos hoje ao estudar os povos conquistados pelos romanos: apenas um lado da história.
2 de maio de 2011. Parece diferente. Mas no fundo é mais do mesmo.
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