O secretário geral da Convenção Quadro da ONU para Mudanças Climáticas (UNFCCC, órgão responsável pela organização das CoPs) falou hoje com a imprensa. Em uma coletiva que reuniu jornalistas de todo o mundo, Yvo de Boer tentou salvar a imagem da CoP15 e do Acordo de Copenhagen, afirmando que este último é um "importante instrumento político" para alavancar as negociações. Ao mesmo tempo, adiantou que países que não cumprirem o prazo de 31 de janeiro para envio de suas metas e os respectivos planos de ação não precisam se preocupar: nas palavras de Yvo, o Acordo de Copenhagen ficará no site da UNFCCC como um "documento vivo", que será constantemente atualizado à medida em que os países envoluírem com suas metas e planos de ação. Para encerrar com chave de ouro, ele disse que não devemos esperar um acordo vinculante agora em dezembro, na CoP16: segundo ele, tal acordo só deve ser atingido em 2015, quando chegarem as revisões científicas sobre os estudos sobre aquecimento global.
Da fala do Yvo de Boer podemos tirar as seguintes conclusões:
1) Ele falou para a opinião pública, preparando-a para o fato de que nem todos os países enviarão suas metas no dia 31 de janeiro porque nem todos os países querem assinar o Acordo de Copenhagen. Essa história de "documento vivo" é apenas uma maneira de tentar contornar uma possível crise de imagem agora no final do mês.
2) Mas ofato de não ter falado aos países membros, conclamando-os a apresentar suas metas, mostra como ele está fragilizado e sem poder.
3) Yvo insiste no tal do acordo "politicamente vinculante", como se fosse algo importante para o processo (e como se algo dessa natureza não tivesse ferido a natureza mesma do processo da UNFCCC). Ao fazer isso, ele tenta mostrar como a UNFCCC não é só um encontro de técnicos, mas que ela também tem poder e prestígio para reunir chefes de estado e obter deles posições sobre o tema. Pois é... ter o aval dos presidentes até daria respaldo às delegações SE os eles tivessem assinado algum papel ao invés de sair à francesa, deixando para o plenário terminar o serviço. O resultado, como você viu, foi uma revolta generalizada que inviabilizou a aprovação do documento dentro das premissas da CoP (=unanimidade de votos). Mesmo do ponto de vista político, o Acordo de Copenhagen não se sustenta.
4) Mas o pior de tudo foi que ele fez uma coisa muito feia para um secretário geral: assumiu uma posição política. Um secretário geral, como o próprio nome diz, é um ente técnico-operacional: ele está lá para organizar as coisas e facilitar a vida das partes. Não para ficar dando pitaco. E mesmo supondo-se que ele quisesse dar sua opinião, imagino que ele deveria levar em consideração as possíveis repercussões de suas palavras. Porque mesmo estando adiante de uma instituição que está na berlinda, a opinião de um secretário-geral do órgão que organiza a CoP tem influência sobre os próprios rumos da negociação, sobre a posição dos países, a intensidade dos lobbies. Ele não deveria, portanto, ter dado uma sinalização para que os países participantes superem as diferenças e trabalhem em prol de um acordo? Não deveria ser uma declaração em favor do sucesso, e não do fracasso?
5) Anunciar o fracasso é uma estratégia bastante cômoda para quem está sob a mira do enviado especial dos Estados Unidos para mudanças climáticas, Jonathan Pershing, que esta semana questionou duramente o papel da UNFCCC na condução das negociações e propôs que as partes negociem diretamente entre si. É o mesmo que dizer "não adianta sair, o problema não é a UNFCCC, é a complexidade do assunto". Aliás, foi exatamente essa a justificativa que ele deu, quando questionado por um jornalista se as partes poderiam deixar a convenção quadro da ONU. Ele argumentou que seria complicado arrumar outro fórum para essa questão, que a UNFCCC já é depositária de vários estudos, que organizar isso em outro lugar seria difícil... Ou seja, ele tentou mudar o foco da questão: do sucesso das negociações, como indicativo de competência da UNFCCC, para sua estrutura e o conforto que ela proporciona às partes.
No resumo geral, esta foi uma coletiva delicada, na qual uma UNFCCC fragilizada teve que ser defendida por um secretário executivo sem força ou poder. Tanto que ele se deu ao trabalho de tentar explicitar prestígio, como quando cometeu a indiscrição de dizer que ligou para o Todd Stern, chefe do Pershing, para tomar satisfações sobre suas declarações.
Muita gente ficou chateada com o desenrolar da CoP15. Já tive a oportunidade de escrever neste blog que eu acredito que mesmo aqueles que foram depois responsabilizados pelo fracasso, como, por exemplo, uma China, não ficaram felizes com o resultado. Ninguém queria que as coisas tivessem acabado daquela maneira. Mas daí a tentar dinamitar a UNFCCC vai uma grande distância. Pois dificilmente se consegue chegar a um acordo global fora da ONU: o teto são negociações bi ou multilaterais. Se reunirem os grandes emissores (EUA + BASIC), como o Pershing sugere, podem até ser eficientes do ponto de vista da mitigação, ou seja, da redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa. Ok, mas e os demais pontos de negociação? E as ações de adaptação, a transferência tecnológica, as linhas de financiamento?
Atualmente, atacar a UNFCCC nada mais é que um passo, mais ousado, no sentido de dinamitar o Protocolo de Kyoto e as responsabillidades que ele impõe aos países desenvolvidos. A própria criação do BASIC, separado do G77, já é um movimento no sentido de mudar a geopolítica climática, reduzindo o número de "vítimas" e tentando dividir a conta do prejuízo ambiental.
Mas sobre a nova ordem mundial eu falarei outro dia.
Dureza. Ninguém quer ser menos rico. Por que as pessoas acham tão ruim estacionar o crescimento econômico? Se já se é rico, já se vive bem, pra que querer mais? Por que é verdadeiro o tal do "quanto mais tem, mais quer"?
ResponderExcluirEu ainda quero ler sobre a tua análise da situação dos "desiludidos". Porque se já é tão difícil passar a mensagem com a rede que se formou, imagina com parte dela se desfazendo.