A busca por um bode expiatório que levasse a culpa pelo anti-clímax proporcionado pela CoP15 teve início ainda durante a realização da conferência e intensificou-se nas semanas seguintes. China e Estados Unidos foram os alvos preferenciais, mas sobrou para todo mundo, dos países da Comunidade Européia às chamadas "nações bolivarianas". Porque embora o fracasso da CoP tenha atendido aos interesses de todo mundo - e olha que tirando Tuvalu e as ilhas da Oceania que estão afundando, era literalmente todo mundo: quem não queria continuidade do Protocolo de Kyoto, quem não queria meter a mão no bolso para financiar a migração para uma economia de baixo carbono, quem não queria adotar metas ou ter que prestar satisfação sobre as metas auto-declaradas... - e, neste sentido, todos saíram vencedores, ninguém tinha o que comemorar porque a vitória foi obtida às custas de um preço altoque somou ônus de imagem perante a opinião pública e falta de controle sobre o processo.
Insisto na questão do controle porque ela é crucial para o desenvolvimento econômico e para o jogo político. Mais do que isso: é um dos paradigmas da modernidade. Paradoxalmente, é na época em que o princípio da incerteza impõe-se na ciência que a sociedade é dominada pela necessidade de controle - motivo pelo qual aceita-se uma vigilância à la BigBrother via câmeras em espaços públicos, compra-se todo tipo de produto antibactericida, faz-se seguro de todo tipo... Nunca antes na história o ser humano conviveu tão mal com o risco - um assunto, aliás, que é estudado à exaustão na tentativa de entendê-lo e controlá-lo.
Pois bem: em um tema de alcance global, como o clima, que desconhece fronteiras nacionais, a ausência de uma coordenação internacional compromete a ação dos agentes econômicos. Ainda mais que a economia atualmente é, efetivamente, globalizada. E é de economia que estamos falando o tempo todo, quando discutimos mudanças climáticas: padrões de produção, matriz energética, externalidades, cálculo de custo e de riqueza... Sem cronogramas, marcos regulatórios ou diretrizes internacionais, fica mais complexo (e caro) para as empresas com atividades em diversos países avançarem nesta questão. Fica mais complexo (e caro) para os agentes financeiros que oferecem produtos baseados em sustentabilidade alçarem suas opções de investimentos em mercados internacionais. Tudo que se refere ao tema tenderá a ser tratado em base local, gerando disparidades e insegurança aos investidores.
Em outras palavras: as empresas ganharam ao empurrar com a barriga a necessidade de se adaptar a um novo padrão produtivo; mas perderam em estabilidade e segurança na condução do processo - agora, mais do que nunca, é uma questão de mercado: vai depender da pressão dos consumidores e da rapidez no desenvolvimento de tecnologias e sistemas de gestão competitivos. É cada um por si. Sem linhas especiais de financiamento, proteção ou penalização fiscal organizadas. Desorganizadas e inesperadas, porém, as sanções podem surgir a qualquer momento: ninguém mais duvida que a questão climática se transformará em barreira comercial - resta saber quando. Considerando-se que a China acaba de ultrapassar a Alemanha na posição de maior exportadora mundial, segundo a Global Trade Information Services Inc. e que boa parte da competitividade dos chineses deve-se à ausência de políticas ambientais e de recursos humanos, não soará estranho se as nações européias resolverem "compensar" esse desequilíbrio - como já fazem, diga-se de passagem, com nossa agricultura (com base em outras alegações, bem entendido).
Porém para alguns setores o ganho foi significativo: obviamente, toda a cadeia produtiva ligada à extração, refino e distribuição de petróleo e seus derivados, incluindo-se aí aquelas ligadas umbilicalmente aos combustíveis fósseis, tais como indústrias químicas e automobilística e de energia. Pois aqui não ia ter jeito: o core business em si ia ter que mudar e, em alguns casos, pode ser que a empresa não consiga manter seu atual nível de influência, poder e lucro.
O mesmo ocorre com os países produtores de petróleo: sem o ouro negro, que relevância o Hugo Chávez teria na América Latina? A Rússia faria parte dos BRICs? Sem petróleo, o que diferenciaria os países árabes das nações africanas? Mas desde a década de 70 quando, sob os auspícios da Opep eles decidiram formalizar o cartel para controlar preços e produção, eles ganharam poder e relevância no cenário internacional. São, certamente, grandes vencedores do naufrágio da CoP15. O dado irônico é que o histriônico Hugo Chavez tenha se saído bem também perante a opinião pública, que assinou embaixo e reverberou ad nauseum na internet a frase de seu discurso que dizia que se o clima fosse um banco, já teria sido salvo. Ok, ele mandou bem - mas com que legitimidade ele pode afirmar isso??
Se as empresas e países produtores de energias tradicionais ganharam, as empresas ligadas à cadeia produtiva das energias alternativas perderam: fabricantes e investidores que esperavam catapultar os negócios na esteira de planos mais ambiciosos de mitigação das emissões de CO2 terão que se contentar com o business as usual. O crescimento do setor vai continuar já que a adesão a fontes e tecnologias de energia limpa é uma tendência irreversível, porém o ritmo da expansão dependerá das condições de mercado que, neste momento, não são tão auspiciosas assim: a crise econômica do hemisfério norte reduz linhas de financiamento e eleva a relevância do fator preço nas decisões de compra individuais e dos governos, pressionados a reduzir suas despesas.
Mas não perderam os países que apostam em energia alternativa: considerando-se que a tendência é inexorável, no longo prazo, leva vantagem quem estimular o florescimento de um parque fabril forte e competitivo neste setor. Este é o motivo pelo qual a China é hoje, ao mesmo tempo, a economia mais suja e mais limpa do mundo. Se por um lado eles abrem duas termelétricas por semana e não abrem mão dos combustíveis fósseis para turbinar seu crescimento, por outro investem fortemente na produção e uso de energias alternativas, sendo hoje os maiores investidores em eólica e os maiores produtores de placas fotovoltaicas.
Dentro das energias renováveis, quem está perdendo espaço é o etanol de cana, apesar de todo o interesse que despertou lá na CoP15. Embora o Brasil tenha oferecido transferir a tecnologia para outros países tropicais adequados ao cultivo da cana, notadamente na África, não houve receptividade. Entre o álcool de cana e a exploração de petróleo com financiamento e mercado garantidos (a China), nossos co-irmãos de G-77 optaram por não correr riscos em nome do meio ambiente. Será que era por isso que eu não conseguia engolir aquelas manifestações das ONGs africanas na primeira semana da CoP? Eu ouvia os discursos, via as faixas e não conseguia acreditar na sinceridade daquelas frases de efeito. Especialmente quando invocavam as mulheres africanas, que estariam sofrendo com o aquecimento global... e que sofrem tanto com a desigualdade, o desrespeito a direitos básicos, o preconceito... Bom, mas isso é assunto para outro lugar, já que me propus a focar na questão das negociações climáticas. Em suma, acho que o etanol de cana de açúcar acabará ficando restrito ao Brasil, apesar de todos os esforços do governo brasileiro e da associação de produtores, a UNICA. E, confesso, eu lamento isso: se você pegar o globo terrestre e olhar os lugares onde a cana pode dar certo, verá que são justamente os países menos desenvolvidos, que poderiam ganhar relevância dentro da matriz energética mundial - e, de quebra, reduziríamos o risco político alimentado por petrodólares de países como Irã, Venezuela, Rússia, Arábia etc. etc. Junto com o lobby para reduzir o uso de armas nucleares, Israel deveria investir na defesa da adoção de energias alternativas para enfraquecer as finanças de seus inimigos - risos!
A China foi um dos principais responsáveis pelo resultado da CoP15, já que jogavam em três frentes: na relação simbiótica com os EUA, na condição de principal detentora dos títulos públicos daquele país; no grupo BASIC (Brasil, Índia, África do Sul e China), que compos uma aliança para tentar intermediar as negociações entre países ricos e o restante do G-77, ao qual originalmente pertencem; e no G77 via as nações africanas que estão recebendo seus vultuosos investimentos. Mas para conseguir o que queria - que era apenas estabelecer uma meta individual e não deixar ninguém de fora certificar se a meta foi atingida ou não - seus delegados e seu primeiro ministro tiveram que jogar muito pesado. Resultado: foi uma das mais acusadas pela imprensa mundial e isso certamente pesará nas futuras negociações internacionais. Percebe-se que o resultado não era o esperado pelo governo chinês pelo fato de que o negociador chefe, He Yafei, ter sido removido do cargo de vice-ministro de relações exteriores. Obviamente que dentro daquela notória tradição de transparência dos chineses, não houve qualquer informação sobre os motivos da transferência e para onde o rapaz teria sido transferido. Pode até ser que ele tenha sido promovido, mas ficou no ar a sensação de punição (típica do regime comunista de Pequim) pelo desastre de relações públicas que a CoP15 foi para a China. Se eles nutrem alguma intenção de ocuparem o lugar dos EUA como principal potencial mundial (e eu aposto com você que eles pensam nisso, sim), a CoP foi uma grande derrota. Não podemos nos esquecer que eles têm que lidar com um fosso cultural que separa o ocidente do oriente - e adquirir uma imagem de inabilidade em negociações internacionais não ajuda em nada a reduzir as distãncia que separa esses dois mundos.
O movimento ambientalista, por sua vez, ganhou em visibilidade e relevância. E também em trabalho: será mais um ano de mobilizações até a CoP16! Porém ficou com o flanco exposto - isso será tema de um texto específico, nos próximos dias.
Os EUA perderam em imagem, mas ganharam ao retardar uma vacilante Europa nesta questão: a diferença de padrões de produção já é gritante e um maior avanço em direção a uma economia de baixo carbono poderia acabar gerando um diferencial competitivo muito favorável ao velho continente, no longo prazo; obviamente, no curto prazo o custo dessa migração penaliza a todos e explica porquê a Europa chegou tão dividida à CoP: nem todos têm recursos (ou vontade) de pagar essa conta. Porque no final do dia, toda a questão climática resume-se nisso: a uma conta que ninguém quer pagar.
A ONU perdeu em imagem, em credibilidade e em controle da história. A Dinamarca, em imagem (se bem que já vi blogueiro dinamarquês dizendo que, internamente, a imagem do primeiro ministro não foi muito afetada pois todos já esperavam um comportamento burlesco por parte dele). O Yvo de Boer em imagem e poder.
E o Brasil? Resposta no texto de amanhã!
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