O Brasil ganhou ou perdeu com a CoP15?

Primeiro, tem uma coisa meio chata que eu preciso contar para você: lá fora o Brasil não teve toda essa visibilidade ou atenção que aqui dentro as pessoas achavam, sei lá!, talvez por causa de termos a floresta amazônica... Na CoP15, os países que, individualmente, eram alvo da atenção de jornalistas e demais negociadores eram China e EUA. Fora isso, durante as duas semanas de negociação quem se movimentava eram os grupos: União Européia, o chamado Grupo Guarda-Chuva (Umbrella Group), que reune os países industrializados fora da União Européia, o BASIC (Brasil, África do Sul, Índia e China), o G-77 (grupo das nações em desenvolvimento) e o AOSIS (países insulares, que inclui as ilhas do Pacífico que estão literalmente afundando e que protagonizaram alguns dos momentos mais emocionantes da CoP15).

Ao longo da CoP15, o Brasil teve protagonismo como porta-voz do G-77 em várias plenárias, como membro do BASIC e porque nosso negociador-chefe, o Embaixador Luiz Alberto Figueiredo, era o vice-presidente do grupo focado no segundo trilho da CoP, o AWG-LCA, responsável pela produção do texto-base de um dos documentos que deveriam ter sido assinados em Copenhagen. Nos últimos dias, houve maior destaque graças aos discursos do Lula, que tiveram uma excelente repercussão naqueles tensos momentos em que todos viam as chances de um acordo - qualquer acordo! - desmoronarem perante nossos olhos. Aliás, o tom inflamado de Lula no discurso da sexta-feira certamente foi um dos fatores que fizeram com que a fala do Obama, que veio em seguida, caísse como um balde de água fria: tivesse o presidente norte-americano discursado depois do primeiro ministro chinês (cujo discurso frio e protocolar precedeu a fala do Lula) e talvez o efeito não fosse tão chocante.

Não tenho dúvidas de que o discurso do Lula no último dia fortaleceu nossa imagem no cenário internacional, no âmbito das questões climáticas, que ainda Pois embora internamente nós nos percebamos como uma "potência ambiental", lá fora a percepção, baseada nos dados e imagens de queimadas da Amazônia, é diferente: somos vistos como destruidores, e não como zeladores, da grande floresta. Há também o fato de que, ao lado de China e Índia, o Brasil aproveita-se do fato de integrar o G77 - grupo das 77 nações mais pobres do mundo - para pleitear benesses que não condizem mais com nossa realidade econômica. Pois não se engane: ao contrário do que o Lula falou no último dia (que não estávamos lá pedindo dinheiro), nós estávamos, sim, lutando por linhas e mecanismos de financiamento, públicos ou privados, empréstimos ou doações, REDD ou dinheiro para mitigação e adaptação até o momento em que ele colocou um ponto final nisso. Pois depois de seu discurso, nossa postura terá que mudar. E esse foi o principal ganho obtido pelo Brasil na CoP15: sair debaixo da saia de Honduras e de Madagascar e assumir nosso tamanho e nossa responsabilidade. Porque o anúncio das metas de redução nas emissões dos gases causadores do efeito estufa, feito aqui no Brasil em novembro do ano passado, foi apenas um primeiro passo. Importantíssimo, sem dúvida, já que foi a primeira vez que o governo admitiu falar em metas. Mas que foi levado para Copenhagen quase como uma ameaça: se não vier dinheiro, não sei se conseguiremos... Quantas vezes aqui no Brasil, antes da CoP, a Dilma não falou isso?? Pois bem: Copenhagen serviu para criar uma obrigação moral perante a comunidade internacional. Agora as metas anunciadas terão que ser cumpridas. Tanto que já foram sancionadas em lei, em um processo excepcionalmente rápido para os padrões brasileiros.

Se fizermos direito nossa lição de casa, poderemos ter uma autoridade moral maior na próxima CoP - e, aí sim, brigar por um lugar de maior destaque nas negociações. Se conseguirmos efetivamente reduzir o desmatamento (e não obter números favoráveis graças a contorcionismos matemáticos), obteremos uma importante salvaguarda contra eventuais barreiras não tarifárias para nosso agronegócio (ouviu, Kátia Abreu?). Se conseguirmos romper com nossa atual esquizofrenia, que nos leva a defender o meio ambiente lá fora enquanto não fazemos nada por sua preservação aqui dentro, teremos a chance de sair na frente na migração para uma economia mais sustentável, o que certamente nos beneficiará no mercado mundial, financeiro (pelo menor risco ao investimento) e comercial (pelo maior apelo de nossos produtos). Não foi por acaso que o Serra assinou metas voluntárias para o Estado de São Paulo: desenvolver e utilizar tecnologias e modos de produção mais limpos será um fator crítico de competitividade daqui para a frente. Mais do que isso: como as recentes chuvas estão provando, ações de adaptação (e não só de mitigação) serão essenciais na política de qualquer govermo - municipal, estadual e federal.

Se cumprirmos nossas metas auto-declaradas, também ganharemos em soft power, aquela categoria de poder que não é baseada na força militar ou econômica de um país, mas sim em seu charme, carisma e capacidade de sedução. Não custa lembrar que é justamente a ausência de soft power que impede a China de assumir uma posição de maior relevância no cenário político internacional atualmente. E que foi justamente no soft power que se deu a maior perda do Império do Centro.

O constrangimento moral que sentiremos a partir do discurso do Lula também pode nos ajudar a criar as condições institucionais necessárias para o avanço de uma práxis ambientalmente mais correta - pois leis já temos, e inclusive consideradas muito boas por quem entende do assunto. Falta-nos a fiscalização, o "cumpra-se". Pois bem: a partir de agora entramos na fase de cumprir a promessa.

A visibilidade que o tema teve perante a opinião pública nacional também vai ajudar muito. Ok, não tem relação direta com meio ambiente, mas veja o que aconteceu hoje com a Cosan - incluída na "lista negra" do Ministério do Trabalho por fazer uso de trabalho escravo, ela perdeu financiamentos do BNDES e deixou de ter seus produtos, o açúcar das marcas União e Da Barra, comercializados pelo WalMart. Há 20 anos, tal lista não existia. No ano passado, essa lista criava um problema para a área de assessoria de imprensa e relações institucionais das empresas - era uma crise de imagem. Hoje, tornou-se um problema de negócio. Ou seja, agora os caras vão cuidar de verdade para não ter mais trabalho escravo. Isso só foi possível porque a opinião pública não consegue mais aceitar esse tipo de situação. Pois bem: se a opinião pública (eu e você, nos papéis de consumidor e eleitor) se posicionar a favor da defesa do meio ambiente - e as chances de isso acontecer são maiores depois da CoP15 - não haverá como engatar a marcha ré. Mas, sobre isso, falaremos na próxima semana.

Ah, sim, antes que você me pergunte se não perdemos nada, é óbvio que perdemos: todo o financiamento que poderia nos vir na forma de linhas especiais para mitigação e adaptação, REDD, créditos de carbono, doações etc. etc. E que não ia ser pouca grana... Perdemos também a oportunidade de evitar a exposição da jacu da Dilma no cenário internacional: a apresentação que ela comandou, no começo da segunda semana da CoP (quando ela soltou a pérola "o meio ambiente é a maior ameaça à sustentabilidade"), foi de matar qualquer um de vergonha! Tem uma comunidade no orkut chamada "eu tenho vergonha pelos outros" - pensei em entrar nela naquela noite! Você não imagina como foi horrível! Eu fiquei com pena do Embaixador Figueiredo e do pessoal do Itamaraty, tadinhos! Trabalhando tão direitinho... Aí chega aquela coisa... Triste...

Um comentário:

  1. "Se conseguirmos romper com nossa atual esquizofrenia, que nos leva a defender o meio ambiente lá fora enquanto não fazemos nada por sua preservação aqui dentro, teremos a chance de sair na frente na migração para uma economia mais sustentável..."

    Xará, isso não é exclusividade do Brasil, né? Todo mundo sabe enxergar muito bem os defeitos dos outros, mas quando chega a hora de identificar e assumir os próprios defeitos a coisa muda de figura. Apontar o dedo pro outro é mole, que nem a gente faz com os países desenvolvidos: VOCÊ já desmatou tudo o que tinha pra desmatar, agora vem me criticar porque EU tô desmatando? Vai cuidar da tua vida! Acho que os governantes estão precisando fazer uma análise coletiva. Será que Freud explica?

    "Pois bem: se a opinião pública (eu e você, nos papéis de consumidor e eleitor) se posicionar a favor da defesa do meio ambiente - e as chances de isso acontecer são maiores depois da CoP15 - não haverá como engatar a marcha ré."

    E fica o que a gente propõe lá no Faça: faça a sua parte! Se formos esperar de braços cruzados esse pessoal que só vê cifras na frente tomar alguma medida séria, estamos fritos (talvez, literalmente, né?).

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