Qualquer reflexão sobre a CoP15 passa obrigatoriamente pela pergunta: a conferência foi um fracasso? Não, não é ingenuidade fazer tal questionamento - é, na minha opinião, um dos melhores pontos de partida para analisar o que ocorreu durante as duas semanas que precederam o solstício de inverno na fria Copenhagen. Porque ela remente a outra pergunta, mais crítica: o que esperávamos da CoP15?
O discurso oficial das ONGs ambientalistas dizia: esperamos um acordo justo, ambicioso e com poder de lei (ou, em inglês, Fair, Ambitious, Biding, formando a inicial FAB, que é também abreviatura informal de fabulous, fabuloso - mais um daqueles trocadilhos geniais que só funcionam em inglês). Esse era o mote dos abaixo-assinados, das passeatas, das coletivas e manifestações.
Esse teria sido o mundo ideal, desenhado por negociadores até a CoP13, aquela que trouxe o Mapa do Caminho e a fatídica data de dezembro de 2009 para que um novo acordo climático fosse fechado, dando continuidade ao Protocolo de Kyoto. Foi aí que o ideal começou a dar espaço para a realidade: já na CoP14 as negociações as negociações davam sinal de impasse, situação que não melhorou ao longo das reuniões intermediárias realizadas em Barcelona e Bangcoc no ano passado. Ou seja, mesmo antes do Primeiro Ministro da Dinamarca, Lars Lokke Rasmunssen começar a propagandear o tal do acordo "politicamente vinculante", semanas antes do início da CoP15, já havia fumaça no ar. E, como você sabe, onde há fumaça... há CO2! No caso, o CO2 produzido por fortes setores econômicos e países dependentes dos combustíveis fósseis, para os quais a migração para uma economia de baixo carbono não interessa.
Ocorre que o número de países e setores da economia que se encaixa nessa descrição vai muito além da indústria petrolífera e das nações da península arábica: friamente falando, qual país ou atividade econômica está preparado para produzir emitindo menos CO2? A pujante indústria de placas solares? Ou o promissor mercado de energia eólica?? A verdade é que no curto e médio prazo ninguém está preparado para abrir mão do petróleo, do gás, do carvão...
Sem uma base no mundo real, seria difícil criar um arcabouço legal ou jurídico: historicamente, qualquer órgão legislativo em qualquer parte do mundo tende a legalizar o que a sociedade já mudou. Então foi preciso que a sociedade se chocasse para que a defesa da honra deixasse de ser uma brecha jurídica de consentimento ao assassinato da esposa pelas mãos do marido. Foi preciso que a sociedade deixasse de ficar chocada para que o divórcio fosse juridicamente implantado. As mudanças sempre veem da sociedade: o governo (ou o órgão supragovernamental) apenas ratifica.
E a sociedade tampouco está preparada para a mudança necessária. A começar pela imprensa, que só se deu conta da importância do tema praticamente na véspera da CoP15. Eu vi canal brasileiro de televisão mandando a moça da previsão do tempo para cobrir a Conferência. Mudança climática, previsão do tempo... sacou a piada? Pois é, não foi piada - e eu testemunhei como a coitada ficava perdida nas entrevistas e nas apurações...
Sem informações divulgadas amplamente, o tema ficou restrito aos que se interessam por questões ambientais. Mas sobre o papel do movimento ambientalistas falarei em outro texto. Aqui cumpre apenas destacar que todo o discurso inflamado, campanhas etc. visavam criar a maior pressão possível para que um acordo saísse. Porém como ainda há pouco diálogo entre ambientalistas e o setor produtivo - como as estéreis discussões entre a Kátia Abreu e o Carlos Minc comprovaram - a realidade não muda. E, não mudando, a lei também não muda.
Então, se formos responder honestamente à pergunta "a CoP15 fracassou?", a resposta, na verdade, é: não, a CoP15 não foi um fracasso - ela foi apenas um perfeito reflexo do estado das coisas no mundo. Reflexo de governos, de empresas e da sociedade. Reflexo meu e reflexo seu, que me lê. Por mais que isso doa a quem se preocupa com o tema e se ilude achando que é mais consciente ou ativo do que os "alienados" e "consumistas". Na verdade, somos todos pecinhas de um mesmo caleidoscópio que, por mais que projete imagens diferentes, não consegue fugir do mesmo prisma: o da economia baseada em carbono.
Não foi a CoP que fracassou: fomos nós. E todos sabem disso: pode reparar que ninguém saiu feliz com o resultado da conferência, mesmo quem não queria fechar um acordo. Mas, sobre isso, falaremos outro dia.
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