Mesmo não chegando ao acordo que os ambientalistas desejavam e que a maioria dos cientistas recomenda, ainda assim a CoP15 poderia ter tido um final diferente. Duvido que qualquer um dos 120 chefes de estado presentes ao evento tenha gostado de sair à francesa, sem foto oficial ou uma boa notícia para levar de volta aos seus eleitores. Então por que a CoP15 deu no que deu?
Um dos principais motivos (mas não o único) foi a má condução dos trabalhos pelo país anfitrião, a Dinamarca. É praxe, pelas regras de realização das CoPs, que a autoridade do país que hospeda o evento seja também presidente da conferência. Como um presidente de Câmara dos Deputados ou de Senado, essa pessoa tem muito poder porque delibera diretamente sobre os procedimentos de trabalho. Com isso, pode ajudar muito... ou atrapalhar. E atrapalhou. Primeiro, pela falta de preparo, a qual se tornou mais que evidente no último dia quando, diante da total falta de consenso em relação a qualquer documento que pudesse ser anunciado como um Protocolo de Copenhagen, como era sua ambição, Lars Lokke Rasmunssen, primeiro ministro da Dinamarca, pediu para que os delegados deliberassem por voto - um procedimento que não é aceito pelos procedimentos da ONU. Ou seja, em seu afã para produzir um documento que pudesse ser divulgado como resultante dos trabalhos, ele produziu um texto sem qualquer valor para o processo de negociações climáticas. Se preferir, ele presidiu a redação de uma ata de reunião. E ponto.
À falta de preparação do primeiro ministro da Dinamarca podemos somar o que, na falta de expressão melhor, chamarei de má fé. Ciente da janela de oportunidade que a CoP lhe daria, o primeiro ministro da Dinamarca não se fez de rogado: dê uma busca no Google e veja o número de chefes de Estado com os quais ele esteve e/ou falou em 2009. Sob a alegação de tentar sensibilizar as lideranças mundiais sobre a importância de um acordo, Rasmunssen fez uma peregrinação para defender a convergência de trabalhos para um acordo politicamente vinculante, ou seja, sem valor legal. As conversas devem ter caminhado bem porque mesmo antes do evento ele já dava entrevistas defendendo essa possibilidade - o que evidenciou que o rapaz abandonou a postura de neutralidade que se espera de um país anfitrião e tomou partido. No caso, das nações desenvolvidas: da garganta de madeira do boneco Rasmunssen saiam as vozes dos vários países-ventrílocos que o manipularam para tentar impor o que, publicamente, negavam tentar obter - menos amarras e mais tempo sob os auspícios do modo de produção baseado em combustíveis fósseis. Em outras palavras, um acordo "politicamente vinculante", sem qualquer valor legal.
Essa postura comprometeu a credibilidade de um processo que já vinha sofrendo vários ataques: primeiro, foram os tais emails hackeados mostrando supostas divergências entre os cientistas de uma universidade inglesa que contribuiram com os estudos que servem de base para que a Convenção Quadro da ONU para Mudanças Climáticas (sob cuja égide ocorrem as CoPs, lembra?) parta do princípio de que, sim, o clima está mudando e, sim, está mudando por causa da ação humana. Não sei se você sabe (depois que tomamos conhecimento, soa como óbvio), mas esta notícia que você talvez tenha visto na imprensa aqui no Brasil foi o grande destaque da mídia nos paises árabes nas semanas que antecederam a CoP. Assim como existem militantes ambientalistas, existem militantes da tese de que não existe aquecimento global - e eles não deram trégua. Tanto que na cerimônia de abertura da CoP o Dr. Rajendra Pachauri, chefe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, abordou o assunto em seu discurso, dando a devida satisfação à opinião pública (até aquele momento, o IPCC não havia se manifestado a respeito). Depois, veio o vazamento para a imprensa de um dos primeiros rascunos do tal do acordo politicamente vinculante, na segunda semana do evento. Tanto num caso, como no outro, notava-se a tentativa de minar a credibilidade do processo em um jogo pesado, sujo, feito debaixo do pano.
E chegamos aqui a outro fator pelo qual a CoP deu no que deu: se o motorista portou-se como um bêbado, cometendo todo tipo de barbeiragem, dentro do veículo só tinha pit-bull. Todos rosnando e mostrando os dentes uns para os outros. Mordendo-se, eventualmente. Ocorre que não havia nenhum animal com força suficiente para se impor - falaremos sobre isso em outro texto. E ao longo de duas semanas de disputas que levaram a impasses cada vez maiores, à medida em que subia o nível hierárquico do cão que rosnava, todos foram feridos.
Todos tinham ciência do momentum especial - de atenção da opinião pública, de tensão sobre as delegações - programado desde 2007 para a CoP15. E todos sabiam que se conseguissem impor sua visão e sua vontade, não haveria mais resistência forte o suficiente para reverter o processo. Então todos os participantes oficiais e não oficiais prepararam-se - e os organizadores, não. Sob o olhar da sociedade por meio das lentes da imprensa, o mundo testemunhou o avanço do caos.
Só que caos = ausência de controle. E como reza a lenda, melhor um sistema velho e ultrapassado, porém conhecido e portanto, controlável, do que eventos que eclodem aleatoriamente sem que possamos nos preparar ou prever. Ou seja, no fundo ninguém gostou do resultado, embora ele jogue o problema para frente, como muitos queriam, porque agora ninguém sabe como essa história vai se desenrolar. As empresas européias conseguirão uma vantagem competitiva com uma gestão sustentável? Quem será o primeiro a sobretaxar os carbonizados produtos chineses, tirando-lhes parte da competitividade obtida graças a uma matriz energética suja? Ou ficarão todos quietos?
Mas, sobre, isso, falaremos em outro texto.
Post scriptum
Não custa lembrar que o primeiro ministro da Dinamarca é uma espécie de Silvio Berlusconi da Escandinávia, ou seja, um político reconhecido como bufão e marqueteiro. Quando se lembra que a CoP15 não deveria ter acontecido na Europa e sim em um país da América - e que a ONU optou por Copenhagen graças à defesa da cidade que foi feita por seus político - é inevitável deduzir que essa história toda foi conduzida com finalidade política. Será que eles acharam que a CoP era como uma Copa? Olimpíadas? Que ia aumentar o turismo? Porque certamente eles devem ter achado que fomos a turismo para a Dinamarca. Mesmo considerando-se que é praxe a restrição de acesso ao local da CoP quando começam as chamadas high-level sessions, sessões de alto nível em tradução literal, que são os dias nos quais ministros, primeiros ministros e presidentes participam, ainda assim é difícil entender porque nesses dias só liberaram a entrada de 300 representantes de ONGs quando foram credenciados 22 mil pessoas apenas nessa categoria (ou seja, além dos delegados dos países, dos funcionários do sistema ONU e dos jornalistas). Que outra explicação dar para um credenciamento tão superior à capacidade do local escolhido para o evento, o gigante Bella Center, que comporta 15 mi pessoas? Eles certamente acharam que as pessoas pagaram passagem aérea, acomodação e custo de vida de Escandinávia em comida, transporte etc. para conhecer o país, né?
Á medida em que a CoP transcorria, ficava evidente que eles não haviam recusado nenhum credenciamento antes: 1) para evitar atritos; 2) porque acharam que muita gente ia se credenciar e não iria participar - prova disso é o fato de que no primeiro dia de evento (quando ainda o afluxo de pessoas era baixo em relação aos dias posteriores) a comida das lanchonetes acabou às 15h00!!! Eu tive sorte de pegar o último sanduíche disponível na lanchonete onde fui pegar comida naquele dia - a pessoa atrás de mim na fila teve que se virar com snacks! Ou seja, eles não tinham a real dimensão do interesse que a CoP ia gerar.
"E chegamos aqui a outro fator pelo qual a CoP deu no que deu: se o motorista portou-se como um bêbado, cometendo todo tipo de barbeiragem, dentro do veículo só tinha pit-bull. Todos rosnando e mostrando os dentes uns para os outros. Mordendo-se, eventualmente. Ocorre que não havia nenhum animal com força suficiente para se impor - falaremos sobre isso em outro texto. E ao longo de duas semanas de disputas que levaram a impasses cada vez maiores, à medida em que subia o nível hierárquico do cão que rosnava, todos foram feridos."
ResponderExcluirEu não acho que esse tipo de postura demonstre preparo. Preparados estariam se estivessem dispostos a negociar de verdade. O que é uma negociação? Você chega com uma proposta, outro com outra, conversam, surgem contra-propostas e chega-se a um denominador comum. Cada um abre mão do que pode/quer, bate o pé com relação a outros aspectos, mas chega-se a um acordo. O problema, me pareceu, ao menos acompanhando de longe, foi que cada um foi com a sua proposta, mas ninguém estava disposto a abrir mão de nada - cada um só estava preocupado com o próprio "rabo".
Também quero ver quem vai ter coragem de agir de verdade, de fazer a sua parte para um futuro decente.
A situação de impasse que vc tão bem percebeu deveu-se, em grande parte, ao crescente fosso de confiança que vem se abrindo entre as nações depois da CoP13. Na verdade, a CoP14 já antecipava isso. Havia uma grande desconfiança, por parte dos países em desenvolvimento de que as nações desenvolvidas queriam engatar uma ré no processo. A crise financeira colocou essas nações em uma situação delicada, em se tratando de dinheiro, o que agravou a desconfiança. O resultado foi o enfrentamento. De um lado, as nações em desenvolvimento cobrando medidas práticas já. Do outro, os países desenvolvidos, em crise, tentando ganhar tempo para tentar colocar a casa em ordem. A situaçao interna em EUA, Inglaterra, China e índia (apenas para citar alguns) não favorecia um acordo ambicioso. E aí vem a pergunta: fazemos nós, os outros, um acordo ambicioso, e deixamos esses caras para trás? Ninguém queria isso! Mas também ninguém queria que tivesse terminado como terminou. Na verdade, todos estavam esperando que o Obama trouxesse alguma solução. Ou melhor, que ele trouxesse uma sinalizaçao de que os EUA iam se juntar ao resto do mundo. O que todo mundo esperava era um gesto de boa fé, mais que ações efetivas que já sabíamos que não seriam anunciadas. Mas, como pudemos perceber depois, o Obama fez um trade-off com o Congresso Americano, trocando o acordo climático pela aprovação do seu plano de saúde. Sò que o balde de água fria dos americanos veio no último dia... A falta de tempo foi o que fez com que EUA e China chamassem Brasil e Índia e África do Sul para aquela reunião constrangedora, cuja foto o governo americano vazou no NewYork Times, para tentar impor seu acordo - e desqualificar o BASIC perante o G77. Foi quando todo mundo começou a gritar que não ia assinar nada e o caos dominou de vez a conferência. Infelizmente, isso tudo só aumentou a desconfiança entre os paises, o que vai dificultar ainda mais as negociações entre a CoP16, se não rolar nada até lá que mude esse cenário. Por isso é muito importante que a sociedade pressione seus representantes ao longo deste ano - eles precisam se sentir obrigados a fazer algo. Sobre a pressão popular: falarei sobre isso semana que vem aqui no blog. Aguarde. E obrigada por acompanhar os textos!!
ResponderExcluirbjs,
silvia
Imagino que os governantes mundiais usaram o cop 15 como fachada para discutir e resolver uma eminente ameaça às suas soberanias. Diante das ameaças nucleares, químicas, biológicas que o terrorismo e religiões extremistas podem utilizar, os governos sem moral pelos repetidos erros, talvez tomem ação coordenada, mundial, para tentar obter o controle e estabelecer uma nova ordem mundial.
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