Imigrantes

Sou filha de portugueses, que se mudaram para o Brasil na década de 50 e aqui fizeram a vida, pagando impostos para o Estado, gerando empregos e deixando filhos para esta pátria. Por isso, não posso deixar de sentir uma certa indignação ao saber que em todo o mundo crescem as barreiras antimigrantes, como mostra o último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Embalada pela crise econômica, a pressão popular em diversas nações clama por maior controle na entrada de estrangeiros e por incentivos para que os imigrantes retornem a seus países de origem. O curioso é que vários dos países que hoje querem fechar suas fronteiras cresceram justamente graças à imigração. E não me refiro apenas às nações da Europa que sugaram os recursos de suas colônias e para elas enviaram quem não tinha oportunidades locais. Falo também de países como EUA e Brasil, cujo desenvolvimento tanto deve aos imigrantes. Pois bem: esse mesmo estudo mostra que 43% dos brasileiros são a favor de limitar ou proibir a imigração, enquanto outros 45% dizem que o Brasil deve “permitir que as pessoas cheguem desde que haja empregos disponíveis”. Apenas 9% acreditam que se deve permitir a entrada de qualquer pessoa que deseje imigrar ao país.

Falar de gente é sempre muito mais difícil do que falar de urso polar ou aquecimento global. Mobilizam-se milhões para “salvar o planeta”. Porém confrontadas com dados sobre pobreza, as pessoas mudam de assunto e vão saindo de fininho... Pior: na hora H, como na crise econômica, não hesitam em excluir os mais pobres, ao invés de exigir uma solução includente, que beneficie todos. Assim como desenvolvimentistas acreditam que o crescimento econômico é mais importante que a preservação do ambiente, também a “opinião pública” acha que incluir o outro significa perder algo que tenho. E nessa bola dividida, quem toma canelada é quem tem menos poder (político ou econômico). As restrições à imigração já fazem com que os países de baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) sejam os que menos recebem remessas de nativos vivendo no exterior. Ao todo, apenas 0,78% do volume total de US$ 370 bilhões enviados por imigrantes vai para esses países. Nações de médio IDH ficam com 51% das remessas e as de IDH alto e muito alto, com 48%. Na prática, isso significa que na Etiópia, o país de baixo IDH que mais recebe remessas do exterior, entraram US$ 359 milhões em 2007, apenas US$ 4 per capita. Já na França, país com oitavo maior IDH, ingressaram US$ 13 bilhões no mesmo período, US$ 223 per capita.

Segundo o PNUD, o envio de dinheiro de um imigrante para seu país de origem é considerado um instrumento importante para melhorar as condições de vida nas áreas pobres. Em El Salvador, as remessas representam 18% do PIB (Produto Interno Bruto), nas Filipinas, 11%, em Bangladesh, 9% e no Egito, 6%. Na Moldávia, onde as remessas representam 45% do PIB, a queda deve chegar a 10% neste ano. Uma das razões para isso é que os habitantes de países de baixo IDH têm menos condições de emigrar e de conseguir emprego em outros locais pelo alto custo financeiro da mudança. Por consequência, quando eles migram é para países da mesma categoria (41%) ou para nações de médio IDH (40%).

Os que conseguiram migrar, por sua vez, são os que mais estão sofrendo com a crise. Trata-se de uma discriminação institucionalizada: nos Estados Unidos, o pacote de estímulo a recuperação econômica para empresas previa que elas reduzissem o número de estrangeiros contratados; a Austrália anunciou que pretende reduzir em 14% a admissão de trabalhadores de outras nacionalidades e no Reino Unido os pedidos de seguro saúde para imigrantes caíram 25% desde o início da recessão. Segundo o RDH, o desemprego provocado pela crise deve afetar mais os imigrantes que os nativos, porque os imigrantes frequentemente são trabalhadores menos qualificados e estão empregados em alguns dos setores mais afetados pela crise, como construção civil e os setores financeiro, imobiliário e hoteleiro.

Apesar da rejeição, a migração tende a ser cada vez mais vantajosa para os países ricos por causa do envelhecimento da população. Diz o estudo: “Estamos entrando num período em que uma maior migração em direção aos países desenvolvidos beneficiará não só os migrantes e as suas famílias, mas será cada vez mais vantajosa para as populações dos países de destino.” Em 2050, estima o estudo, os países desenvolvidos terão 71 pessoas em idade inativa para cada 100 pessoas em idade de trabalhar.

A migração é parte intrínseca da história e do desenvolvimento humano desde antes de nos constituirmos como Homo sapiens. Hoje quase 1 bilhões de pessoas – ou uma em cada sete – são migrantes. Em algum momento de nossa história familiar houve um (ou mais) migrantes. Voluntaria ou involuntariamente, a diáspora é parte integrante de nossa cultura. Não é por acaso que textos sagrados de mais de uma religião atribuem tamanha importância à hospitalidade. Seja no deserto, em Calais, na fronteira do Texas ou em Cumbica, ela é sagrada.

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