No final de julho, a ONU alertou que parte de seu Programa Mundial de Alimentos (PMA) podia ser cortado por falta de verba. O anúncio foi feito para tentar obter novas doações que permitissem a continuidade do Serviço Aéreo Humanitário, operado pelo PMA e que transporta profissionais, como médicos e engenheiros, envolvidos nos programas humanitários desenvolvidos na região. O serviço só tinha orçamento para para atender Chade, Libéria, Serra Leoa e Guiné até este mês. Detalhe: em fevereiro, o PMA já teve que fechar o serviço aéreo para Costa do Marfim e Níger.
O tamanho da verba necessária? US$ 10 milhões. Quanto conseguiram até agora? US$ 1 milhão . Um décimo do necessário.
Pois eis que a mesma ONU anuncia que seu Global Compact Group tem liderado um projeto de despoluição de uma base militar localizada na Baia de San Francisco, na costa oeste norte-americana, arrecadando a bagatela de US$ 500 milhões para tanto. Os recursos serão utilizados para criar um complexo de prédios que abrigará escritórios e centros de pesquisa em tecnologia verde e em mudanças climáticas da própria ONU.
Nada contra a iniciativa. Pelo contrário: urge recuperar terras degradadas por seu uso equivocado no passado em todos os níveis – sejam áreas perdidas pela erosão ou pela contaminação radioativa. O que me incomoda é: precisava de ajuda financeira da ONU? Afinal, estamos falando dos Estados Unidos – e, dentro dele, do riquíssimo estado da Califórnia. Ele responde por 13% do PIB norte-americano (não custa lembrar que são 50 estados, portanto seu peso na economia daquele país é bastante relevante).
Ok, concordo que há um valor simbólico intangível na construção de centros de pesquisa sobre tecnologia verde e mudanças climáticas onde antes havia contaminação radioativa. E, sim, eu sei que os EUA são os maiores contribuidores financeiros da ONU. Mas a sensação de injustiça é inescapável.
Desde o começo do ano acompanho sites, blogs e eventos sobre sustentabilidade. Tenho lido vários livros (alguns deles bastante irritantes, por sinal). E cada vez me incomoda mais o fato de que o meio ambiente está sendo colocado acima das pessoas. Nada melhor que a África para ilustrar minha tese: em poucos lugares há questões sociais tão gritantes como lá – questões que antecederam e que se impõem além da agenda das mudanças climáticas. Muito pouco foi feito antes. Agora, perto do esforço e dos recursos destinados à questão climática, o contraste é ainda mais chocante. São quase 1 bilhão de pessoas (a África é o segundo continente mais populoso do mundo) que permanecem como párias dentro da sociedade e da economia globais. Em sua grande maioria, sequer chegaram ao nível do lumpenproletariat que tanto comoveu Marx.
Antes que alguém escreva aí nos comentários que sem ambiente não tem pessoas, já adianto que não estou negando a importância ou a urgência de lidarmos com a questão climática. Apenas me questiono se os céticos não têm um pouco de razão quando falam na facilidade de obter financiamento para qualquer coisa com apelo verde – e da dificuldade de se obter financiamento para iniciativas que não têm esse apelo. E que podem ser tão urgentes ou importantes quanto o ambiente. Saúde, por exemplo, apenas para ficar no exemplo mais óbvio.
Mas isso foi apenas um desabafo. Por enquanto.
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