Tem coisas que só dá para escrever no blog pessoal

É meia-noite e dez aqui em Copenhagen. Ainda estou no Bella Center. Ao meu lado, o embaixador Sérgio Serra, do Itamaraty, entra ao Vivo no Jornal Nacional. A COP15 chegou ao fim de fato, embora não oficialmente: ainda há negociadores trabalhando em cima de um texto que pode ser apresentado a qualquer hora. Mas todas as lideranças já partiram. E deixaram para os assessores apagarem as luzes.

A COP15 era para ser como a Primeira Guerra Mundial, a guerra para acabar com todas as guerras e que acabou gerando um dos massacres mais traumatizantes da história da humanidade. Aqui, a idéia era fechar um acordo que pudesse contribuir com a atual tendência de alteração do clima decorrente da ação humana. Ok, vamos deixar o romantismo e o exagero de lado: todo mundo sabia que não ia sair um acordo decente. Mas nunca ninguém pensou que no final os chefes de estado abandonariam a conferência dando coletivas para os jornalistas de seus países defendendo as posições retranqueiras e atacando-se mutuamente.

Para mim, da CoP15 ficaram as seguintes lições:

1 - Os Estados Unidos ainda são a grande potência hegemônica do planeta. Mesmo com uma economia combalida, mantêm o poder graças à relação simbiótica com a potência-to-be, a China. Juntos, eles afundaram, pelos países desenvolvidos e pelos países em desenvolvimento, as chances de um acordo minimamente decente. Pelo andar das conversas até agora, só houve consenso em relação ao limite de aumento da temperatura: 2 graus centígrados. Metas, financiamento, mecanismos de governança - tudo ficou em aberto.

2 - Falam que a questão ambiental é, na verdade, econômica. Não: a questão é política. Em duas dimensões:

2.1 A democracia imaginada no Iluminismo provou-se insuficiente para representar efetivamente os diversos setores da sociedade, que buscam novas formas de participação (ou engajamento, em comuniquês) das partes envolvidas (stakeholders - argh!). Com a comunicação on line, a articulação e a transparência crescem esponencialmente. A soma desses fatores faz com que os governantes tenham que adicionar uma nova peça no tabuleiro do xadrez eleitoral: a opinião pública mundial. O que a CoP15 evidenciou foi a presença e a força deste novo ator, desconhedido para o establishment - e, como tal, tratado como inimigo no ato de expulsão das ONGs do Bella Center e no confinamento da imprensa no penúltimo dia da conferência.

2.1.1 Apesar disso, sou muito crítica em relação ao movimento ambientalista: ao mesmo tempo em que explicitou que a opinião pública hoje é global, a CoP15 também expôs que a questão climática é assunto de um nicho da sociedade: perto do conjunto de cidadãos alfabetizados, com acesso a computador etc., os números de mobilização foram muito tímidos, embora impressionantes, em termos absolutos.

2.2 Um mundo globalizado exige uma governança internacional que a ONU, definitivamente, não consegue entregar. Não faz sentido ter uma substituição de presidente da CoP na fase final de negociações por não ter status político condizente com os chefes de estado que seriam recebidos. Ou ainda não ter os mecanismos para cobrar o cumprimento de acordos já fechados (abrindo espaço para justificar o não fechamento de um novo tratado). A fragilidade da ONU foi, sem dúvida, o que permitiu que o processo em si fosse questionado hoje, no último dia, por todos os participantes - que alegam dúvidas sobre a transparência do processo etc. etc. Nunca pensei que isso fosse colocado em xeque aqui. Mas foi. Não bateram neste ponto, mas ele ficou exposto.

3 - Não é possível continuar tratando da questão climática como um assunto separado da fazenda, do planejamento, da saúde, da indústria e comércio, da agricultura... O ministro do meio ambiente, Carlos Minc, está aqui do meu lado falando com jornalistas. Mas ele que me perdoe: meio ambiente é muito grande e muito importante para ficar com uma única pasta ministerial, no nível doméstico, ou na Convenção Quadro da ONU para Mudanças Climáticas, no nível internacional. Enquanto não houver uma nova abordagem, não chegaremos a novas soluções para os novos problemas que estamos enfrentando. Neste momento, aqui no Bella Center, tudo isso cheira a mofo.

4 - A CoP teve o resultado que teve porque quem estava aqui queria isso: tinha quem queria acabar com o protocolo de Kyoto, tinha quem queria ficar sem metas, tinha quem não queria meter a mão no bolso... E todos saíram vencedores desta CoP. Só não têm como justificar tal vitória perante a tal da opinião pública, por isso saíram de mansinho deixando o terceiro escalão cuidar disso.

O que o futuro reserva? Mais blablablá? Como manter a mobilização da opinião pública? Se por um lado é bom que todos tenham a clara percepção do fracasso que foi a COP15 - e que esse fracasso deveu-se aos representantes dos diversos governos aqui reunidos - por outro havia um momentum da opinião pública que talvez não seja fácil repetir. Sabíamos disso e quem lutava para derrubar as chances de um novo acordo também sabia. E eles ganharam.

Minha experiência de duas semanas trancada o dia inteiro neste centro de convenções foi muito boa. Tive a sorte de trabalhar com pessoas adoráveis, com quem me entrosei muito bem. Descobri que gosto muito de acompanhar estas chatices e tentar entender o que rola por aqui. Ainda sou junior na área - e quem me conhece sabe o quanto eu sou idealista, o que explica minhas lágrimas ao ouvir a fala do filho da puta do Obama. Mas foi uma experiência muito rica.

Que venha a CoP16! Até lá, estarei melhor preparada. Me aguardem.

3 comentários:

  1. Amei seu texto e estout e seguindo no Twitter... estou perplexa!!! eu realmente, na minha inocencia, acreditava que algo de novo poderia sair desse encontro, uma decisao definitiva de tentar pelo menos prorrogar o efeitos das mudancas climáticas... Mas parece q tds esses Chefes de estados nao tem filhos né? Será q o Obama nao parou pra pensar nas filhas dele? No futuro desastroso q ele mesmo está construindo pra elas. porque como vc disse os Estados Unidos continuam como a grande Potencia, e ele como presidente dessa potência tinha sim um papel decisivo nas negociacoes. ma sparece q o mundo prefere o cape diem de hoje e deixar os problemas para que outros resolvam amanha neh...

    ResponderExcluir
  2. Silvia, tudo bem?
    Parabéns pelo trabalho. Não compartilho da sua visão final do encontro. Não me iludi nunca com as bravatas e a experiência me ensinou que as coisas estão além do discurso "ecológico".
    Suas intervenções serviram como contraponto para a cobertura pífia, iludida e fantasiosa da imprensa. Gostei do encaminhamento e do foco da cobertura.
    Mais uma vez, parabéns!
    beijo!

    ResponderExcluir
  3. Silvia, no meio da conferência eu pensei: é, não vai dar em nada, cada um só quer saber do seu rabo, infelizmente. Não se dão conta de que somos todos um só. A eles não interessa isso.

    E a gente continua fazendo o que pode: a nossa parte. Não quero que eles saiam ganhando. Saíram sem apresentar nada que prestasse pra gente, mas duvi-de-o-dó que deitem a cabeça no travesseiro e durmam de consciência tranquila, a menos que sejam pessoas de má índole. Vamos continuar o trabalho de formiguinha e estimular cada um a fazer um pouco. Não dá pra gente parar só porque eles não mostraram serviço como deveriam.

    Obrigada por nos manter informados.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...