O Brasil na (e depois da) CoP18

Emb. André Corrêa do Lago em coletiva na CoP18
O Brasil se saiu muito bem na CoP18? Sim, se analisarmos a questão meramente do ponto de vista da diplomacia internacional. 

Cresce a cada ano a relevância de nossa delegação para fazer avançar os pontos mais sensíveis das negociações.Nossos negociadores são amplamente reconhecidos por seu preparo, por sua habilidade e por sua flexibilidade para promover o diálogo entre nações desenvolvidas, notadamente os Estados Unidos, e os países do G77, em particular as nações do BASIC. São também aclamados pela criatividade na proposta de soluções que atendem o emaranhado de premissas e procedimentos da UNFCCC e, ao mesmo tempo, facilitam os trabalhos. Entretanto, do ponto de vista doméstico, continuamos a apostar na aceleração do crescimento a qualquer custo, como se a superação da pobreza pudesse ser feita negligenciando as responsabilidades que o país tem com os seus atributos naturais e com a transição para o desenvolvimento sustentável....

De um lado, junto com China, Índia e África do Sul, o Brasil tem assumido posição de protagonismo e liderança nas tem negociações, o que é mais um indicativo de que os países desenvolvidos deixaram de liderar o processo. Não custa relembrar que foi justamente a recusa dos países desenvolvidos em aceitar compromissos previamente estabelecidos com datas e metas de comprometimento que impediram o alcance de um acordo global em 2009, em Copenhague. Que sua hesitação em cumprir compromissos financeiros tem sido fonte de boa parte das farpas trocadas nas duas semanas da CoP18. E que sua falta de ambição fez dos países em desenvolvimento os grandes mitigadores, com 60% das metas prometidas até o momento.
A delegação brasileira repetidamente criticou esta configuração. Junto com os demais países em desenvolvimento, o Brasil é ferrenho defensor do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, que embasa a Convenção. Ocorre que esse princípio pode ser invocado tanto com os olhos voltados para o passado, como para o futuro. No primeiro caso, é óbvio que a responsabilidade dos países desenvolvidos é muito maior, uma vez que emitem CO2 desde o início da Revolução Industrial. E é essa emissão histórica que nos trouxe aos atuais níveis de concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera. Mas se olharmos progressivamente para as próximas duas decadas, veremos que a maior parte das emissões vem da China, Índia e Brasil. E é justamente neste ponto que os países desenvolvidos se aferram para flexibilizar o princípio de que nossas metas de redução nas emissões sejam voluntárias. De 2013 em diante, devemos enfrentar uma ferrenha batalha para que as nações do BASIC sejam incluídas no rol das nações com obrigações formais de mitigação.
Não obstante, boa parte dessas emissões de China, Brasil e Índia vinculam-se à produção de bens para exportação, suprindo a demanda dos países desenvolvidos. Se fosse possível estabelecer uma lógica distinta da usada na UNFCCC, que permitisse alocar-se emissão em função do consumo territorializado, certamente as emissões de Bélgica, Holanda EUA seriam bem superiores (assim como as de SP, MG, RJ, que absorvem ou geram indiretamente as emissões que se localizam no MT, MS, PA etc para produção da carne e da madeira consumida no sudeste). Ou seja, é fundamental que da CoP19 em diante o Brasil lute mais fortemente pela inclusão dos drivers internacionais de emissão nos vários mecanismos e parâmetros de avaliação que nortearão o acordo global. Caso contrário, corremos o risco de sermos penalizados pela redistribuição perversa da produção industrial embasada em combustíveis fósseis. Porque no quesito “tecnologia”, as CoPs tem avançado muito pouco: toda tecnologia tem um dono e esse dono não abre mão de seus direitos sobre ela.
É nessa hora que os olhos da sociedade civil tem que focar nas grandes corporações, cujo faturamento chega a ser superior ao PIB de vários países. Operando em plataformas globalizadas, elas ainda privilegiam o retorno sobre seus investimentos de base, preferindo transferir fábricas obsoletas para nações com legislações ambientais menos rígidas. Inclusive porque é importante que o cidadão e o consumidor saibam distinguir qual é o capital que quer avançar na questão climática e qual luta contra. Todo ato de consumo é, potencialmente, um ato político: boicotes podem ajudar muito.
Por outro lado, há que se analisar que políticas efetivamente o Brasil tem adotado paar fazer a transição ao desenvolvimento sustentável e ser um país de baixa emissão de carbono. E se olharmos o Plano Nacional de Mudanças de Clima, seus planos setoriais, o Fundo Amazonia e o Fundo Clima, poderíamos pensar que já temos o caminho certo. Entretanto, se olharmos as reais políticas de crescimento economico, a enfâse na exportação e produção de commoddities, o incentivo ao Pré-sal e à indústria automobilística, afora a conivencia governamental com retrocessos na legislação ambiental, verficaremos que eventuais ganhos diplomáticos ou na redução transitória do desmatamento não terão reflexos para um futuro mais resposável do país quanto às suas emissões de gases de efeito estufa.
De fato, no caso do Brasil, a maior parte das emissões que prometemos cortar estão relacionadas ao desmatamento: mantê-lo sob controle é fundamental, mas não será suficiente para reduzir o CO2 que colocamos na atmosfera. A tendência no médio e longo prazos é que as emissões da indústria e, por consequência, de nossa matriz energética, venham a se sobrepor às que são geradas pelas queimadas. Como a própria Convenção prevê, as emissões dos países em desenvolvimento deverá crescer nos próximos anos em função do esforço para gerar as condições internas necessárias para a eliminação da pobreza. O desenvolvimento de nossa economia, portanto, mudará a atual configuração, motivo pelo qual a questão da Tecnologia, ou seja, do modelo de produção, e também do consumo, serão muito mais importantes.
Se atualmente medidas como redução de IPI para a indústria automotiva já são preocupantes, no futuro poderão ser fatais para cumprirmos nossa parte nos esforços globais de redução nas emissões. Segundo mostram os estudos científicos que embasam as negociações climáticas, é preciso engatar a marcha a ré nas emissões globais a partir de 2015. Os próximos três anos, portanto, serão decivisos para o planeta. Apesar das responsabilidades históricas passadas, que precisam e devem ser honradas, não podemos nos furtar às obrigações inerentes ao fato de estarmos entre os cinco maiores emissores globais. Não podemos nos dar ao luxo de manter uma política de desenvolvimento na contramão da politica de clima. Se Brasília não fizer sua lição de casa, a boa reputação e o bom desempenho de nossos negociadores ficarão comprometidos. E o grande esforço planetário para manter a Terra, nossa casa, um lugar digno e habitável, será perdido.

Texto publicado originalmente no boletim Vitae Civilis Informa e reproduzido no site http://www.vitaecivilis.org.br/index.php/br/temas/clima/contribuicoes-do-vitae-civilis-ao-debate/vitae-civilis-na-cop-18/noticias-da-cop-18/434-o-brasil-da-cop18-em-diante

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