Tenho pena do assessor de imprensa da UNFCCC

Tenho pena do assessor de imprensa da UNFCCC, a Convenção Quadro da ONU para Mudanças Climáticas: no dia seguinte ao prazo-limite para que os 194 países signatários da convenção apresentassem suas metas de redução nas emissões dos gases de efeito estufa, subscrevendo o tal do Acordo de Copenhague, sobra para ele explicar porque menos de um terço deles aderiu. E aí dá-lhe exercício de ficção e matemática (falando nos quase 80% das emissões globais dos gases de efeito estufa representados por esses 55 países) para mudar o foco da atenção!

Deu certo, em parte: boa parte das poucas matérias na imprensa relatavam protocolarmente em suas manchetes que os países apresentaram as metas e assinam acordo. Todos os senões vem do terceiro ou quarto parágrafo em diante, numa total inversão de lead(*): gente, desde quando cumprir o protocolo é notícia?!!? O descumprimento, sim, é que vale manchete!

Sobrou para a imprensa especializada cobrir o assunto com mais atenção e cuidado. Porque, infelizmente, aos poucos as negociações climáticas vão deixando a grande mídia e voltando às publicações especializas. E para a fringe media: blogs & afins, como este Ascendidamente. Nada contra a mídia especializada: ela tem veículos e jornalistas de altíssima qualidade. Mas fala com nichos, não atinge a massa da população - os eleitores e consumidores, únicas categorias nas quais nós, seres humanos, fazemos alguma diferença dentro do atual sistema político-econômico.

Uma pena! Sair do radar da opinião pública é um atalho para enterrar as negociações climáticas - algo que, tenho certeza, está na agenda de vários agentes políticos e econômicos neste ano. O próprio secretário geral da UNFCCC já fez questão de colocar água fria na fervura da CoP16, declarando que ela não gerará um acordo legalmente vinculante!! Com tanto urubu voando, a sensação de que o bicho já morreu é inevitável. Mas é preciso ter cuidado, porque:

1) Apostar no fracasso da CoP16 ou na demora das negociações é fazer o jogo de quem não quer avançar para uma economia de baixo carbono. Afinal, se com toda expectativa e pressão da sociedade a CoP15 deu no que deu, imagine sem esses fatores? Na CoP16 serão 16 anos de negociações climáticas! Não temos outros 16 anos para ficar debatendo! Temos que cobrar de nossos representantes, atuais ou futuros (eleições, lembra?), que eles cumpram seu papel.

2) Embora o número de países que cumpriu o prazo para envio de suas metas à UNFCCC tenha sido ridiculamente pequeno (nem um terço do total!), ainda assim ele reúne o créme de lá créme: EUA, União Européia, BASIC, Umbrella Group... Teria sido muito pior se justamente esses fossem os faltantes.

3) Mas o recado dado pelos países em desenvolvimento que não enviaram suas metas é claro: o que foi proposto na CoP15 não atende suas necessidades. Mas como o Acordo de Copenhague não tem qualquer valor legal ou burocrático dentro do processo da UNFCCC, esse mensagem é mais válida do que um consenso geral que passe o equivocado recado de que as propostas nele contidas são suficientes. Não são.

Depois do escândalo dos emails, do fracasso da CoP15, do embróglio das geleiras do Himalaia, dos questionamentos dos EUA sobre a capacidade da UNFCCC conduzir as negociações climáticas, a adesão de 55 países de grande relevância na política e economia internacionais é um voto de confiança ao processo.

Por outro lado, não podemos deixar de notar que em Davos o FMI anunciou a criação de um fundo climático e que o ministro da França chamou reunião sobre implementação do REDD no dia 11/03, conforme informou Suzana Kahn, secretária de mudanças climáticas do nosso Ministério do Meio Ambiente, em seu twitter (@suzanakahn), comentando: "aparentemente ninguem quer esperar longos prazos da UNFCCC".

Em resumo, parece que todo mundo resolveu ficar com um pé lá, outro cá, e esperar para ver como fica. Não detonaram a UNFCCC, mas vão se mexendo por fora.

Só sei que tenho pena do coitado do assessor de imprensa: a coisa lá na UNFCCC estão tão feia que nem o release sobre a adesão ao acordo de Copenhague abre! Igualzinho o Sisu!

(*) Lead, ou lide, no termo aportuguesado, é o jargão jornalístico que descreve a abertura de uma matéria - trecho que deve conter as informações mais importantes da notícia (o que, quem, quando, onde, por que e por quanto, no caso de matérias sobre Brasília -rs!)

2 comentários:

  1. Interestingly, in English, the insiders in the news business prefer the spelling "lede" rather than "lead." See the explanation in William Safire's famous "On Language" column in The New York Times Magazine, from Nov. 18, 1990, entitled "On Language; (HED) Folo My Lede (UNHED)". The headline uses another newsroom short hand "HED" for begin headline, and "UNHED" for end headline. This is a particularly well remembered column, of many great columns by Mr. Safire. Best wishes, Lee (ioaLee)

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  2. Hi, Lee!

    Good to know that. Next time, I will spell LEDE.

    Regards,

    silvia

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