Está cada vez mais difícil atualizar este blog

Acabo de ver uma manchete no Huffington Post: “Segundas sem carne – a salvação pode estar mais próxima do que você pensa”. Sou obrigada a concordar: o discurso “verde” está assumindo um preocupante viés religioso. O tom apocalíptico das previsões sobre clima tira o pouco de racionalidade que deveria conduzir o diálogo sobre o tema. Afinal, estamos a menos de 100 dias da conferência que a ONU estabeleceu para selar um novo acordo para organizar os esforços globais no sentido de minimizar as mudanças climáticas projetadas. E além de vermos estados nacionais aparelhados para endurecerem em suas posições, como várias ONGs que acompanham o debate têm relatado, assistimos a um festival de manchetes sensacionalistas que nada contribuem para esclarecer a conversa.

Sustentabilidade já se tornou um papel de embrulho que empacota qualquer coisa: discurso de direita ou de esquerda, promoção de vendas, embargo econômico, preconceito racial... O dado preocupante: ao invés de gerar mudança, o discurso e as atitudes estão caminhando no sentido de manter o status quo. Ou seja, mexam em tudo: criem selos de sustentabilidade, relatórios, auditorias, produtos com matérias primas renováveis, recicláveis, mas não alterem o padrão de consumo, pelamordeDeus! E não deixem de comprar de mim, grande multinacional que criou mecanismos complexos e caros que o pequeno fabricante, o pequeno varejista não tem como implantar. E quanto mais você está comprometido com essas novas marcas, mais distante ficará da verdadeira sustentabilidade, que é comprar menos, comprar de quem produz perto de você, comprar de quem é pequeno, comprar de ONGs e agentes da economia solidária. Ou, ainda, produzir parte de sua comida, reformar sua roupa (como faziam nossos avós), reaproveitar restos.

A aparente falta de preocupação com as pessoas também me incomoda. Segundo a ONU, mais de 4 bilhões dos 6,7 bilhões de pessoas que habitam este planeta vivem abaixo da linha da pobreza. Mas a pobreza está excluída do discurso de sustentabilidade: o mainstream é ambiental. E o social foi identificado como Responsabilidade Social, algo das empresas e de voluntários... O governo foi alijado do discurso na parte social. Com a crise financeira, ele passou a protagonizar o discurso econômico. Mas como resolver um problema quando se ignora um problema? Se a pobreza não faz parte da pauta pragmática, como encontrar alguma solução? E se a pobreza não está na agenda, como podemos falar em sustentabilidade?

Chega, cansei! Até amanhã!

O Ponto de Mutação

Se você está tentando se atualizar com a filmografia básica do mundinho da sustentabilidade, aí vai a dica: O Ponto de Mutacao, baseado no livro homonimo de Fritjof Capra.

Sinopse - Um político estadunidense (Jack Edwards, interpretado por Sam Waterston) vai à França visitar um velho amigo poeta (Thomas Harriman, interpretado por John Heard). Lá, conhecem uma cientista (Sonia Hoffman, interpretada por Liv Ullman) e, juntos, tecem uma profunda discussão sobre questões existenciais.

Aproveite o domingao para assisti-lo.

Xixi no banho

Ainda não se sabe se a campanha da fundação SOS Mata Atlântica trouxe algum resultado prático. Mas não deixa de ser tentador pensar que fazer xixi no banho pode reduzir significativamente o consumo de água nas grandes capitais. Mesmo que você ache a idéia nojenta, ainda assim tem que reconhecer: os filmetes de divulgação são muito legais!

Virgula.com

TicTacTicTac: veja onde serão instalados os relógios da campanha

Confira abaixo a agenda de atividades que marcarão o lançamento, em todo o Brasil, da campanha mundial TicTacTicTac, no dia 29 de agosto. Cheque antes em sua cidade se a atividade está realmente confirmada. São Paulo está ok.

►São Paulo:
Local: Parque do Ibirapuera, próximo ao Portão 10
Horário: das 13h às 15h
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva. Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Rio de Janeiro:
Local: Praia de Copacabana (em frente ao Copacabana Palace)
Horário: das 17 às 19hs
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva
Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Brasília:
Local: Parque da Cidade
Horário: das 10 às 13hs
Atividade: Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Porto Alegre:
Local: Usina do Gasômetro
Horário: das 15 às 17hs
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva. Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Belo Horizonte:
Local: Praça da Savassi
Horário: das 10 às 12hs
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva
Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.
►Salvador:
Local: Farol da Barra
Horário: das 15 às 18hs
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva. Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Manaus:
Local: Praça da Polícia (Praça Heliodoro Balbi / Palacete Provincial, s/n - Centro)
Horário: das 17 às 19hs
Atividade: Inauguração de relógio para contagem regressiva. Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Recife:
Local: Pracinha da Boa Viagem
Horário: das 9 às 12hs
Atividade: Manifestação no local do evento com apitos, cornetas, buzinas, relógios, panelas, etc. Distribuição de material da campanha.

►Fortaleza:
Local: Praça Tibúrcio Cavalcante
Horário: das 8hs30-13hs
Atividade: Teatro de bonecos, exibição de filmes, pintura de painéis sobre o clima e oficinas temáticas. Caminhada ecológica, saindo do Parque das Crianças (Rua Visconde de Rio Branco, s/n), às 8hs, até a Praça dos Leões.

►Terezina:
Local: Av. Principal do Centro da Cidade
Horário: Parte da manhã
Atividade: Leitura do manifesto, barulhaço.

Outros eventos ocorrerão em 21 de setembro (“Hora de acordar!”), em 24 de outubro (“Hora de pensar bem e agir rápido.”) e durante a CoP15, de 7 a 19 de dezembro.
TicTacTicTac é uma iniciativa global que reúne inúmeras ONGs, de alcance global, nacional, regional ou local. Caso queira contribuir com a mobilização, entre em http://www.tictactictat.org.br/, cadastre-se, baixe o material de campanha e comece já a fazer barulho! Faltam 102 dias para a Conferência Internacional do Clima e os nossos representantes precisam saber que estamos, sim, preocupados com as mudanças climáticas e, por isso, exigimos a seriedade nas discussões e o comprometimento com a busca por um acordo viável e efetivo.

Let´s do it!

Em cinco minutos, uma lição de mobilização social - e uma prova de que, no fundo, o que faz a diferença é o que cada um de nós decide (ou não) fazer.

Senta que lá vem história...

Se não for precisa ou verdadeira, me desculpe. Mas a história é boa e vou recontá-la como a ouvi esta semana, pelas palavras de Raquel Negrão, lá da Unicamp. Segundo ela, a instituição conta com um professor de matemática decano, Ubiratan D´Ambrósio, que desenvolveu a área de etnomatemática. Sim, matemática étnica. De qual etnia? Xavante! Isso mesmo: o professor de da universidade branca foi aprender matemática com os índios. Não sei o resultado da pesquisa, mas Raquel comentou que na convivência com a tribo, o professor ficou encantado com a cerimônia do Warã: uma roda que reúne todos para contar como foi o dia. Nessa roda eles repassam os acontecimentos, tomam decisões e resolvem as pendências da jornada. Sem essa roda, eles acreditam, não é possível sonhar. E sem sonhar não se consegue acordar no dia seguinte, segundo Ubiratan segundo Raquel.

É o sonho que viabiliza o despertar.

100 dias de mobilização

Este sábado, 29 de agosto, marcará o início da contagem regressiva para a 15ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP15) em Copenhagen, Dinamarca. Por esse motivo, várias ONGs uniram-se para lançar a campanha TicTac (nada a ver com a balinha: é o som daquelas relógios antigos, que precisavam que a gente desse corda para funcionar!). A ação acontecerá simultaneamente em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Brasília e Manaus, onde serão inaugurados grandes relógios (totens com 3 metros de altura por 1,2 de largura) com painéis "TicTac” marcando a contagem regressiva para a Conferência.

Se você quiser participar deste movimento, entre no site http://www.tictactictac.org.br/, cadastre-se e baixe os materiais de divulgação, que incluem roteiros para eventos, formulário de abaixo-assinado, modelos de banner, faixas, adesivos, folhetos etc. Os organizadores também estão abertos a colaborar com debates, reuniões, barulhaços, lançamento do abaixo assinado, performances, bicicletada, marchas etc. que você consiga organizar. Fotos das reuniões serão postadas no site da TicTac, documentando a amplitude das iniciativas.

A colaboração de todo mundo é importante para uma grande mobilização nas ruas e também para atividades específicas, tais como ajuda na negociação da autorização para instalação do relógio “tictac” no melhor lugar da cidade, ajuda na manutenção do relógio e na coleta de assinaturas do abaixo-assinado, articulação com entidades locais, contatos com a imprensa local, documentação dos eventos, etc.

Participe!

A sustentabilidade no alvo da moda

Amanhã, dia 24, a jornalista de moda Lilian Pacce lança o livro “Ecobags - Moda e meio ambiente” na Livraria da Vila do shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Trata-se de um exemplo perfeito de como o mundo da moda em geral trata a questão da sustentabilidade. O livro de Lilian reúne 120 bolsas ecologicamente corretas criadas por estilistas e marcas brasileiras como Alexandre Herchcovith, Ash, Blue Man, Carlos Miele, Huis Clos, Juliana Jabour, Mario Queiroz, Neon e Rosa Chá. Na divulgação da obra, encontrei declarações da autora do seguinte quilate: “Não é algo passageiro, é um tsunami. E quem não entrar vai se dar mal. É uma questão contemporânea. A moda sustentável tem de se transformar em um novo luxo”.

Concordo em gênero, número e grau com a afirmação. Agora, dizer que ecobag é sustentabilidade dentro do mundo da moda é o “ó”, né gente? Elas são sustentabilidade para o varejo, que usa sacolas de plástico. Para o mercado da moda, sustentabilidade é dar um fim às sweat houses (as oficinas de costura que empregam pessoas em condições desumanas). É desenvolver processos de lavagem e tingimento de tecidos que demandem menos água e gerem menos resíduos tóxicos. É, acima de tudo, rever o próprio conceito de moda, hoje praticamente um sinônimo de produto descartável.

Mas essa confusão sobre o que é sustentabilidade não é exclusiva do mundo da moda. O mundo empresarial está cheio de empresas que acham que doar para uma creche é sustentabilidade. Que passam a usar papel reciclado e já se sentem sustentáveis. Na verdade, todo o setor produtivo encontra-se em fase de transição para a sustentabilidade – alguns com mais consistência, outros com menos.

Pesquisando sobre o tema descobri um case bem legal: o da Osklem: a grife de Oskar Metsavath criou o Instituto-e, que se baseia em cinco pilares: origem da matéria-prima, impacto do processo produtivo, relações trabalhistas e/ou com a comunidade, design e atributos comerciais. Ou seja, uma abordagem muito mais completa, que olha para a moda enquanto indústria dentro de uma cadeia econômica – e não como uma mera fonte de peças “com atitude”. O Instituto já fez o mapeamento de matérias-primas, orientando o desenvolvimento de coleções apresentadas na SPFW, por exemplo. Atualmente, a Osklen produz t-shirts de poliéster extraído de garrafas pet recicladas, além de tênis feitos de couro de peixe e bolsas e acessórios ecologicamente corretos.Também apoiou o redesenho da sandália Ipanema, da Grendene – um exemplo das sinergias entre o instituto e outras empresas. Além de criar um produto feito com material reciclado e 0% de resíduo na produção, Oskar sugeriu que parte da verba arrecadada com a venda das sandálias fosse destinada ao bairro carioca cujo nome ela carrega. A idéia, aprovada, tem permitido a revitalização do Parque Garota de Ipanema.

Os esforços de algumas poucas empresas esbarram em condições de mercado nada favoráveis. Contrariando as palavras de Lilian Pacce, não há uma tsunami de matérias-primas disponíveis: a questão da escala ainda impede a adoção de produtos ambientalmente menos agressivos. Tampouco há qualquer incentivo do governo para a produção de tais materiais. O resultado é que muitas vezes sustentabilidade, na moda, se restringe a uma estratégia de marketing que utiliza os próprios produtos como canais de comunicação: quem já não viu peças com mensagens sustentáveis?

A troca do significado por seu significante poderia muito bem ser classificada de greewashing, não fosse por um detalhe: moda faz cabeça. Dissemina valores e atitudes. Que bom, portanto, que o mundinho adotou a “causa”!

Mais uma campanha polêmica do PETA: até que ponto ela é eficiente?

Você certamente já ouviu falar do PETA – People for Ethical Treatment of Animals. É aquela ONG que faz campanhas com modelos nuas protestando contra o uso de peles de animais. Embora tenham ficado conhecidos por este tema, a causa deles é mais ampla: eles são contra a matança de animais com qualquer finalidade, inclusive a alimentação. Na defesa do vegetarianismo, eles acabam de lançar uma campanha que está causando polêmica nos EUA.


Trata-se de um único outdoor, em exposição na cidade de Jacksonville, na Flórida. Em inglês, o texto diz “Salve as baleias. Perca os pneuzinhos: torne-se vegetariano”.

Bom, nem preciso dizer que o texto foi considerado sexista, ofensivo... A reação, na opinião de Ashley Byrne, ativista da ONG, é exatamente a que a entidade esperava: “Se o cartaz é chocante, quem sabe ele consiga atrair a atenção das pessoas e ajudá-las a melhorar seu estilo de vida. É uma mensagem que salva vidas”.

Exageros à parte, tanto dos críticos, como dos ativistas, a verdade é que este tipo de abordagem é totalmente ineficiente do ponto de vista de comunicação. O tom agressivo afasta quem não se identifica com a causa e fala apenas com quem já foi “convertido”. Portanto, se o objetivo da campanha era a alegada “mensagem salvadora”, sorry: a campanha está fadada ao fracasso. Agora, se o objetivo era obter visibilidade na mídia, reforçar o posicionamento institucional do PETA e reforçar a lealdade de sua base, aí a história é outra. Pois trata-se da típica iniciativa feita para agradar a paróquia – ou seja, manter alta a moral dos dizimistas, oops, doadores. Mas que não atrai novos fiéis.

Ética

Normalmente a palavra ética aparece quando analisamos o Outro. Até porque geralmente partimos do pressuposto que nossas ações são corretas, portanto éticas, uma vez que derivam de desejos percebidos como justos/justificados por "n" motivos que recohecemos como válidos e relevantes. Todo assassinato tem um motivo (ou mais) considerado válido pelo assassino. Tão válido que o levou ao ato. Como eu sou ético, o mais comum é aplicar a palavra ética ao Outro e, mais corriqueiramente, apenas à vida pública - consubstanciada em atores públicos como os políticos, as empresas, a igreja, o governo ou o tal do "sistema".

Nesta palestra do Café Filosófico, programa da TV Cultura patrocinado pela CPFL (faço questão de citar o patrocínio porque adoro esta iniciativa!), o psicanalista Cláudio Cohen busca diferenciar valor, moral, ética e atitude. Busca questionar a ética na vida privada. E suas implicações em decisões corriqueiras de nossa vida.

Aproveite o domingão e curta esta excelente palestra!


Descartáveis

Tenho um porta-lápis lotado de canetas promocionais que ganho em eventos. Quando acabam, vão para o lixo. É assim desde que eu era criança, com as inúmeras canetas esferográficas. Ao final de cada ano, um estojo de canetinhas hidrográficas ia para o lixo.

Canetas de plástico são embalagens para a tinta, que é o que usamos para escrever. Assim como as centenas de copos plásticos de iogurte ou requeijão que devo ter jogado fora ao longo da minha vida. Mas e o que dizer de certos aparelhos de barbear que não permitem que você troque as lâminas? Uma vez perdido o corte, o destino é o lixo. Ou ainda, dos copos plásticos? Porque neste caso não se trata da embalagem. Trata-se do produto em si.

Quando o hábito era comprar tecido para se fazer a roupa, o corte era sempre mais clássico, pois ela tinha que durar mais. Atualmente, a modinha acessível das lojas da José Paulino ou do Brás, aqui em São Paulo, permite o descarte das peças tão logo a estação tenha acabado. Sei de quem compra meias e as joga fora quando ficam sujas, pois seu custo é tão baixo que permite descartar (perdão pelo trocadilho infame) a etapa de lavagem do produto.

Esse fenômeno não é muito diferente do que acontece com celulares: cada vez que sou obrigada a trocar meu celular porque já não vendem mais bateria para o modelo que eu tenho, me deparo com um modelo que dura menos que o anterior. Agora há pouco estava conversando com uma pessoa que tem um computador de 2003e que já se tornou obsoleto para rodar programas mais pesados: descobri que é mais caro trocar uma única peça, o processador, do que comprar um aparelho novo (e fazer o quê com o velho? Jogar fora!).

Traduzindo: consumismo não é só uma atitude individual ou um estilo de vida. Tampouco é algo restrito às classes sociais mais altas. Consumismo é resultado da falta de opções não descartáveis. Alimentos, que há algumas décadas eram vendidos a granel, muitas vezes em embalagens retornáveis, hoje só estão disponíveis em algum tipo de invólucro plástico descartável. Em muitos casos, a opção não descartável implica em uma significativa diferença de preço. Ou você conhece alguma caneta tinteiro que custe barato? Em outros casos, sua vida útil é restrita: qualquer consumidora de Natura sabe que de tempos em tempos o tamanho do refil dos cremes muda para que eles não se encaixem nas embalagens antigas, levando a uma nova compra.

Sim, é óbvio que a prevalência dos produtos descartáveis visa aumentar vendas. Para tanto, vale-se da comodidade que esses itens oferecem. E viceja graças à simbiose em que mercado e psicologia coletiva se unem para cultuar a juventude e sua áurea, não necessariamente verdadeira, de liberdade, diversão e falta de responsabilidade. Afinal, o novo é sempre e necessariamente melhor que o velho, certo? Basta pegar as duas palavras – novo e velho – fora de contexto. Fale-as em voz alta. Que valores e imagens uma evoca? E a outra?

Como envelhecimento é um processo inevitável que atinge a todos nós, vale a pena rever os conceitos. Afinal, ninguém gosta de se sentir “velho” na maneira como o termo é sentido hoje. Mas também não dá para fingir que se é jovem: basta olhar para a Donatella Versace e ver o desastre que resulta dessa postura. Precisamos ressignificar “novo” e “velho”. E isso passa obrigatoriamente por mim e por você. Não como um processo de culpa (oh, meu Deus, meu banho está colocando em risco a vida do planeta!!!), mas de realização pelo simples prazer de conservar algo que nos é caro (para quem não sabe, essa palavra vem de cordis, que significa coração em latim). Prazer de preservar uma roupa bonita. Ou um celular no qual tivemos tantas conversas importantes. Ou ainda uma caneta com a qual deixamos nossa assinatura ao longo da vida. Preservar relações com pessoas queridas. E, principalmente, preservar a auto-estima mesmo diante da flacidez, da barriga e dos fios brancos.

Eu quero consumir. Eu gosto de consumir. Mas eu gosto de mim e, por isso, quero coisas boas. E as coisas boas, a gente não joga fora.

Desabafo

No final de julho, a ONU alertou que parte de seu Programa Mundial de Alimentos (PMA) podia ser cortado por falta de verba. O anúncio foi feito para tentar obter novas doações que permitissem a continuidade do Serviço Aéreo Humanitário, operado pelo PMA e que transporta profissionais, como médicos e engenheiros, envolvidos nos programas humanitários desenvolvidos na região. O serviço só tinha orçamento para para atender Chade, Libéria, Serra Leoa e Guiné até este mês. Detalhe: em fevereiro, o PMA já teve que fechar o serviço aéreo para Costa do Marfim e Níger.

O tamanho da verba necessária? US$ 10 milhões. Quanto conseguiram até agora? US$ 1 milhão . Um décimo do necessário.

Pois eis que a mesma ONU anuncia que seu Global Compact Group tem liderado um projeto de despoluição de uma base militar localizada na Baia de San Francisco, na costa oeste norte-americana, arrecadando a bagatela de US$ 500 milhões para tanto. Os recursos serão utilizados para criar um complexo de prédios que abrigará escritórios e centros de pesquisa em tecnologia verde e em mudanças climáticas da própria ONU.

Nada contra a iniciativa. Pelo contrário: urge recuperar terras degradadas por seu uso equivocado no passado em todos os níveis – sejam áreas perdidas pela erosão ou pela contaminação radioativa. O que me incomoda é: precisava de ajuda financeira da ONU? Afinal, estamos falando dos Estados Unidos – e, dentro dele, do riquíssimo estado da Califórnia. Ele responde por 13% do PIB norte-americano (não custa lembrar que são 50 estados, portanto seu peso na economia daquele país é bastante relevante).

Ok, concordo que há um valor simbólico intangível na construção de centros de pesquisa sobre tecnologia verde e mudanças climáticas onde antes havia contaminação radioativa. E, sim, eu sei que os EUA são os maiores contribuidores financeiros da ONU. Mas a sensação de injustiça é inescapável.

Desde o começo do ano acompanho sites, blogs e eventos sobre sustentabilidade. Tenho lido vários livros (alguns deles bastante irritantes, por sinal). E cada vez me incomoda mais o fato de que o meio ambiente está sendo colocado acima das pessoas. Nada melhor que a África para ilustrar minha tese: em poucos lugares há questões sociais tão gritantes como lá – questões que antecederam e que se impõem além da agenda das mudanças climáticas. Muito pouco foi feito antes. Agora, perto do esforço e dos recursos destinados à questão climática, o contraste é ainda mais chocante. São quase 1 bilhão de pessoas (a África é o segundo continente mais populoso do mundo) que permanecem como párias dentro da sociedade e da economia globais. Em sua grande maioria, sequer chegaram ao nível do lumpenproletariat que tanto comoveu Marx.

Antes que alguém escreva aí nos comentários que sem ambiente não tem pessoas, já adianto que não estou negando a importância ou a urgência de lidarmos com a questão climática. Apenas me questiono se os céticos não têm um pouco de razão quando falam na facilidade de obter financiamento para qualquer coisa com apelo verde – e da dificuldade de se obter financiamento para iniciativas que não têm esse apelo. E que podem ser tão urgentes ou importantes quanto o ambiente. Saúde, por exemplo, apenas para ficar no exemplo mais óbvio.

Mas isso foi apenas um desabafo. Por enquanto.

Itaipu promove campeonato de arremesso de celulares e notebooks

Ainda estou em dúvida se dou risada ou se choro com a notícia divulgada pela Itaipu Binacional. Para comemorar seus 35 anos, em outubro, e como parte das atividades da Semana da Segurança Empresarial, a empresa promoverá a segunda edição do Campeonato Sul-Americano de Arremesso de Celular e o 1º Campeonato Mundial de Arremesso de Notebook no estádio do Gramadão, em Foz do Iguaçu. Para deixar a iniciativa ainda mais esdruxula, uma equipe de engenharia de Itaipu está projetando um globo feito de lixo eletrônico...

Sinceramente, não sei se esse tipo de iniciativa contribui para chamar a atenção sobre o problema gerado pelo lixo eletrônico, como a empresa divulga em seu press release Tenho a impressão de que ela apenas cria um factóide midiático (tanto que já aconteceram torneios semelhantes aqui em São Paulo, promovidos por um programa de entretenimento do canal Multishow) que resulta tão somente no reforço à percepção de que estes produtos são fácil e totalmente descartáveis. Ou você se sente sensibilizado para a questão do acúmulo de materiais tóxicos no ambiente, provocado pelo descarte indevido desses produtos, ao ver a imagem de alguém arremessando-os para tentar ver quem alcança maior distância, como numa prova esportiva?

Reforça meu argumento o fato de que o arremesso de celulares foi "inventado" por um fabricante, a Nokia, que promove a prova anualmente na Finlândia há dez anos - e certamente ela não faz isso para promover a redução nas vendas de celulares... Agora, cá entre nós, a noção de que esses produtos são descartáveis já não está suficientemente disseminada entre os consumidores? Não basta venderem celulares que quebram em um ano? Ou que ficam obsoletos para os novos aplicativos em prazo pouco maior que isso?

Como os celulares são subsidiados pelas operadoras, não percebemos o quanto estamos jogando de dinheiro fora. Porque, sim, o aparelho acaba sendo pago por nós, consumidores, ao longo da conta telefônica. E quando somos obrigados a trocá-lo, geramos resíduos desnecessários no ambiente: mesmo considerando que existe resolução do Conama que obriga o recolhimento de baterias, devemos nos lembrar que seu material não é reintroduzido no ciclo produtivo, ao contrário do que acontece com as latinhas de alumínio. E o restante do aparelho não tem reciclagem obrigada por lei.

A Itaipu aproveitará o evento para montar postos de arrecadação de lixo eletrônico em Foz do Iguaçu. Segundo a empresa, o material arrecadado será doado para a Cooperativa de Agentes Ambientais da cidade. Resta saber se eles têm os meios para dar a correta destinação a equipamentos cujo desmonte é caro, complicado e que contêm metais pesados.

Já que Itaipu produz energia elétrica, não faria mais sentido a empresa promover campanhas de economia de energia, se ela quer se mostrar "sustentável"? Pois é: perder vendas ninguém quer! Agora, promover ações que geram mídia, aparentemente corretas e, principalmente, sem qualquer relação com o próprio negócio, aí tudo bem, né?
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